quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Fragmento

Amanhã será o último dia.
Os dois estão sentados na beira mar. Atrás do mar, na beira do horizonte, o sol pinta de vermelho poente as águas. Uma brisa delicada acaricia-lhes os cabelos.
Estão lado a lado, abraçados em suas pernas, observando em silêncio a chegada da noite.
- Vamos comigo pra Minas? diz ela, olhando-o rapidamente.
- Minas? – surpreende-se ele, rabiscando a areia com o indicador.
- É.
Ele levanta a cabeça e ilumina-se de crepúsculo.
- E eu faria o que lá?
Ela suspira.
- Sei lá. Depois a gente vê.
Ela olha pra ele e sorri. Ele voltasse para ela e também sorri. Olhos nos olhos, brilham! Estão pintados de um laranja rubro.
Amanhã será o primeiro dia.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

paco

era uma sexta feira, Feliz,
e lá na praça uma anguzada.
como seres na feira, felizes,
esburgavam entre as arvores.

embora em pares, pasmem!,
eram amigos indeiscentes.
embolavam seus ares, aréola!,
mas não se permitiam oscular.

agravante?
ediondo?
insâno?
obstante?

unicidade!

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Pelas ruas

- Últimamente tenho pensado mais do que o frequente. Principalmente pensado em coisas fúteis. Outro dia, caminhando pela São Peulo, imanginei-me num daqueles belos edificos. Sentado, na varanda...não, no terraço. Vista panoramica do rio, do por-do-sol. Preferia as varandas voltadas para o por-do-sol. As que me trazem o amanhecer eu deconsidero. Acho um desperdicio de espaço. Não por desacreditar no amanhecer, acredito até que o amor é o proprio amanhecer; que poucos sabem ver. Acontece que ver o por-do-sol é como amanhecer para a noite, para os sonhos. Porque a noite é como um suspiro da terra. É quando ela, repentinamente, suspira profundo e com a brisa que produz, acalenta os olhos lacrimejosos do poeta. O tom alaranjado do horizonte é tal qual o beijo vermelho da mulher amada. Tal qual o toque suave do céu para com a terra: um carinho tenro e quente. Monet devia apreciar o por-do-sol.
Não sei. Últimamente tenho pensado nestas coisas.
Caminhando á beira do rio, imagino-me perdido numa trilha no meio de lugar algum que não levam para nenhum lugar. Imerso no verde das arvores que te seguem; conduzido pelo claro refletir dos raios do sol nas aguas claras do rio. Em vez de fones, rádios, carros, mp3 e toda embreagues, os passaros. Em vez dos postes, o vento. Sozinho. Me pergunto se é melhor se sofrer junto do que ser feliz sozinho. Sozinho...
Não sei, ando pensando em tanta coisa que nada me é nitido como um caminho á trilhar.
Talvez, por que de tudo ao meu amor serei atento antes. E com um tal zelo e sempre e tanto, que mesmo em face do maior encanto, dele se encante mais meu pensamento...

domingo, 14 de dezembro de 2008

Pelas esquinas

Livraria lotada. Nas mesas, cervejas, wuisks, cachaças, cigarros e pessoas. Muitas pessoas. Em geral, pseudo-intelectuais. Discutem categóricamente sobre futebol, os melhores puteiros da cidade; citações de grandes bêbados ecôam de todos os cantos. As mesas da rua, com suas pessoas pseudo-intelectulizadas, ditam o ritmo da noite que segue seu curso escuro. De cima de seus jipes, se divertem ameacando uns aos outros com facas no pescoço. E como riem. De tudo e de todos. Talvez por que possuam respostas para alguma pergunta feita sobre felicidade. Do canto, em meio a fumaça que sai de seus pulmões, um deles levanta-se e, aos gritos proféticos, silência a livraria que o escuta com atenção:
- Este é o momento de começar! Começem! Agora mesmo, com um único passo. Dirijan-se para o interior de vocês mesmos e observem. O que há para ver? O que há para se falar sobre nós mesmos? O que há para contar em mesas de bar sobre o que constrói nossa história aqui nesta vida, no nosso meio social? Quem somos nós para nós mesmos? O que fazemos com nossos sonhos? Quantas vezes já nos conformamos com um sonho não realizado, com um objetivo não acalnçado. Onde dorme a criança sonhadora que todos vocês foram um dia? Onde dorme aquela criança que sonhava ser, guando crescesse, astronauta, bombeiro, cientista, duble de cinema, veterinária, modelo, presidente da republica? O que fizemos com nossos sonhos? O que somos agora? Cidadãos tributaveis, inseridos num sistema que não visa a realização pessoal, mas se baseia na aceitação social. Somos o que queremos ser ou somos o que temos que ser? Quem anda ditando essas regras tão severas de compotamento? Quem anda espalhando por ai que eu não posso? Por que tantos de nós não somos o que gostariamos de ser e se conformam com o que há para ser? Não parece óbvio que tem alguma coisa errada? A generalização das drogas, licitas ou ilicitas, prova que não queremos mais um motivo para continuar convivendo com esta realidade que nos é imposta. Como é bom escrever. Mas a escrita é para provar a nós mesmos do que somos capazes. Porém, as deixamos avulsas na rede. E vamos simplesmente aceitar esse fato e pedir mais uma cerveja? Será mesmo que não é hora de começar?
Silêncio. A livraria parece imersa profundamente nos pensamentos bravados. Os copos ficam inértes. De repente alguém ergue-se ante a livraria atonita e também brava, levantando o copo meio vazio:
- Mazá!
E todos acordam de seus transes e gritam com seus copos meio vazio em riste:
- Mazá!
E brindam, rindo ainda mais do que antes.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

para entender basta ouvir

O Vencedor
Los Hermanos
Composição: Marcelo Camelo

Olha lá quem vem do lado oposto
E vem sem gosto de viver
Olha lá que os bravos são escravos
Sãos e salvos de sofrer
Olha lá quem acha que perder
É ser menor na vida
Olha lá quem sempre quer vitória
E perde a glória de chorar
Eu que já não quero mais ser um vencedor,
Levo a vida devagar pra não faltar amor

Olha você e diz que não
Vive a esconder o coração

Não faz isso, amigo
Já se sabe que você
Só procura abrigo
Mas não deixa ninguém ver
Por que será?

Eu que já não sou assim
Muito de ganhar
Junto às mãos ao meu redor
Faço o melhor que sou capaz
Só pra viver em paz.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Quanto?

Quantas vezes já me peguei aqui sentado,
Com as pernas cruzadas,
Pensamentos paralelos e
Cigarro empunhado ao céu?

Quantas horas já passei me tendo
De momento em momento,
Contando quantas vezes
Nesta posição já me peguei?

Quantas e quantas vezes já fiquei
Nesta posição de horas cruzadas
Empunhando momentos
E fumando pensamentos?

Será mesmo?

E quanto é só um momento?

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Bossa, fossa, nossa bosta.

Amanda saiu do banho e se permitiu ficar nua. Colocou o cinceiro ao alcance da mão direita, repousou sobre ele o cigarro acesso e do copo vazio fez cheio com a cerveja que inebria. Olha pela janela. Diziam que choveria torrencialmente, mas o que se viu foi uma chuva esparssa, sem muitos pingos ou motivos para molhar. A cidade, como de costume, pintou-se de um amarelo urbano caracteristico das noites de chuva. Entre uma partida e outra do trem, perdia-se entre os pingos que pingavam sobre o parapeito da janela. Alguma coisa faltava. Ou ainda falta. Mas Amanda não sabe o que é. Traga profundo, bebe voluptuosamente, observa distante, descreve mas não diz nada. Alguma coisa falta. De repente sentiu saudade. Da brisa que inundou seu quarto e fez balançar a cortina, catou uma ponta de saudade que pendia da nostalgia "bucólica" daquela noite e, como um pequeno principe, agarrou-se no rabo deste cometa e deixou-se sentir saudade. Sentia saudade dos bons tempos em que podia sofrer em paz; de quando a vida passava mansa pela tarde que se desfazia entre um acorde musical e outro; do amor que abundantemente sentia; das impulsividades maravilhosas que causavam um arrempendimento poético e necessário. Tomou mas um gole, deu outra tragada, observou ainda mais distante. Como podem as coisas caminharem com tamanha velocidade? Quando menos se percebe, já estamos num caminho diferente daquele primordialmente preferido e o retorno já ficou pra trás a muito tempo. De repente, não mais que de repente, as coisas já são. Já não temos mais aquela velha promessa de esperança; já não são mais de ressaca os olhos da amada; já não é mais o amor eterno enquanto dure; já não se fazem mais poesias de solidão e a solidão já não traz mais a poesia. De repente, tudo o que poderia ser torna-se feito e tudo o que está feito não é mais como poderia ser. Já não sorrimos mais com tantos dentes; já não brilhamos com tantos olhos; já não abraçamos mais com tantos braços e mesmo a manhã já não é mais tão única. De repente, acordar pela manhã é corriqueiro e enfadonho. De repente a amizade já não é mais como o sol do meio dia, que aquece e ilumina. E de repente chega o entardecer e o dia acaba ao anoitecer. Mas amanhã começa de novo, no mesmo horario, com os mesmos compromissos, com as mesmas decepções, com as mesmas desventuras de um dia corriqueiro e rotineiro. E de repente... nada mais. O que era plano é agora lembrança.
Amanda pega seu bloquinho e anota: preciso viajar!
Traga o último gole, bebe seu último "suspirar pra dentro" e se atira da cauda do cometa ante o chão cru e aspero do seu sono.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Lembranças

São Leopoldo ERA a cidade da noite. ERA, quando reinava por estas bandas, para deleite dos baladeiros, o Manara Bar, o Expresso 356 e outras casas noturnas que não me lembro o nome. Mas ERA. E hoje, como é lembrada São Leopoldo? Pela briga e morte de integrantes de torcidas (des)organizadas do futebol? Pela mortandade de peixes do Rio dos Sinos? Pelo relato do secretario da cultura que diz que os artistas da cidade não receberam seu cachê por sua atuação na São Leopoldo Fest 2008 (em julho) por falta de apresentação de documentos para o recebimento do devido cachê, sendo que estes documentos são entregues por uma produtora que haje como "guarda-chuva" para estes valores (o que mostra uma total desorganização da Secretaria da Cultura e da prefeitura municipal em relação aos seus artistas)? Pelas lojinhas de R$ 1,99 que se acumulam em qualquer ponto e pelo crescimento desenfreado de estacionamentos privados que literalmente destroem nosso patrimonio arquitetonico histórico cultural? É isso? Não, não é assim que eu quero que a cidade seja lembrada. E vendo meu peixe: gostaria que a cidade fosse lembrada por sua cultura artistica. E para isto faço minha parte.
Pessoalmente (ás vezes recebendo $ por isso, ás vezes não), atuo como um "ativista cultural", levando, principalmente teatro, para vilas, ruelas, igrejas e botecos interessados. Vez por outra, quando de um incentivo maior feito o SESC, fecho a rua São Caetano e ajudo a produzir um grande evento com musica, poesia, cinema e liberdade de espressão (sem receber $ por isso). E qual o resultado? Criticas! Por que há em São leopoldo uma necessidade de criticar, de se fazer critico. Nunca, em todo o tempo que atuo como "ativista cultural", vi tamanha necessidade de criticar como esta atual em São Leopoldo. Tem gente criticando a propria critica. Tem gente que não sabe o que quer e por não saber o que quer, critica o que pode vir. O que é uma pena pois São Leopoldo ficou muito tempo sem iniciativa cultural e agora quando tem uma é abafada por estas criticas incabiveiis e desnecessárias.

Outro dia ouvi dizer que a Livraria do Trem é lugar de pseudo-intelectuais. Pseudo-intelectuais? E onde é que se concentram os intelectuais? No Bar do André? Na Embaixada do Rock? No Mack Bar? Na Unisinos? Numa boa, vão á merda todos estes que se preocupam em criticar e pouco sabem o que sai de seus cus.

Conversando com Elário Casper, maquiador de Novo Hamburgo (que inclusive fez um bélissimo trabalho na esquete "O Passáro de Vôo Curto", com texto de Alcione Araújo e representado pelo Teatro Luz e Cena no festival de esquetes de São Leopoldo. Aliás, você sabia que teve um festival de esquetes teatrais em São Leopoldo?), discutiamos que São Leopoldo agora precisa construir uma politica de público para seus eventos, uma vez que temos um espaço, o Teatro Municipal. Mas não adianta. A julgar pela repercussão que teve o nome dado á uma esquina da cidade, somos, e sempre seremos, uma cidade de prepotentes que não fazem nada por sua própria cidade, por sua própria arte, por seu próprio público.
Então vamos criticar? Não! Quer criticar ajude á construir. Ou cala-te e ajude, simplesmente, á observar.

Do mais, concordo com Éver Ribeiro de que devemos fechar sempre a São Caetano para novos eventos com o apoio incondicional da Livraria do Trem, que, mesmo tendo que vender cerveja para continuar funcionando, apóia e celebra como poucos a cultura artistica desta cidade. É preciso mais do que nunca nos esforçar-mos para o fomento da arte, principalmente popular, em São Leopoldo.

Se não, seremos lembrados pelo que?

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Farândola, Fotos Farândola

Sim, de mãos dadas e seguindo para o mesmo rumo, mas em caminhos diferentes, 28/11/08 marcou o nascimento do Farândola. Música, poesia, pintura, cinema e bom tempo marcaram esta manifestação marginal de cultura que fechou a rua são caetano e abriu muitas almas deseperadas por uma luz ao luar. Eu deveria escrever sobre; mas não vou. Não hoje.
Pra quem não foi, seguem as fotos; por Giovani Paim.

http://www.fotolog.com/giovanipaim02

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Caminhos

Eles apenas corriam. Era tudo o que faziam: corriam. Lado á lado. Passada á passada. Juntos. Mesmo ritmo, mesma respiração, mesmo bailar dos braços de cima pra baixo e de baixo pra cima. Vez por outra conversavam. Trocavam duas ou três palavras, discutiam, apenas gemiam uma abreviação de afirmação ou divagavam por quilômetros sobre a distancia entre as estrelas, que é impar e par ou sobre a maneira como as nuvens flutuam leves nos dias de céu azul. Mas em geral andavam em silêncio. Em silêncio não, na baforada constante de suas respirações ofegantes. Olhos fixos no horizonte e correndo. Sempre. Em frente. Rumo ao horizonte, quase um Forrest Gump. Nada os impedia de correr. Quando era sede o que sentiam, procuravam nuvens de chuva e por entre elas corriam. Da chuva que enfim caía, bocas abertas, seus pingos molhados bebiam. E era matada a sede. Se era fome o que sentiam, procuravam nos campos os pomares e, correndo por entre eles, com as mãos rápidas colhiam laranjas, maçãs, uvas, cerejas, pitangas. E era matada a fome. As necessidades fisiológicas eram deixadas á rastro, colocando calção e cueca pro lado nos campos por onde corriam. E com a chuva, cuidavam também de sua higiene pessoal. Corriam, enfim, corriam. Se era sono o que sentiam, revezavam por turnos de dois terços de hora e meia e um carregava o outro. Um corria pelo outro. Mas não paravam, nunca. Era de costume entregar a noite nas mãos do crepúsculo. Ou ir estendendo sobre o fim de tarde o manto escuro da noite. Quando a barba crescia demais ou o cabelo já tapava a vista, corriam entre rochedos e das pedras pontiagudas, com fio de puro corte, faziam um no outro barba, cabelo e bigode. Se faltava proteção para os pés, percorriam mangues, banhados e lamaçais, enroscando-se em mato e barro, formando nos pés uma proteção que parecia sapato. Roupa era folha de bananeira, chapéu coco e cipó na cintura amarrado. Simplesmente corriam: o tempo todo, á todo o tempo. Cruzavam de continente em continente. E não percorriam os mesmos lugares. Havia sempre um novo caminho á ser percorrido. Uma simples curva para a esquerda e um novo caminho surgia. Neste novo caminho uma simples curva para a direita e do novo um novo caminho novo. Não contavam o tempo. Era o tempo que contava com eles. Viam surgir o sol, ele estender-se no azul, depois recomeçar para outro lugar enquanto viam surgir, então, a noite. Viam ela estender-se de mansinho, abrindo seu leque cravejado de brilhantes. Vez por outra um sorriso dourado riscava a escuridão com luz de fogo. E logo á noite ia se recolhendo trazendo pela calda o calor do novo, e velho, sol que, então, surgia. Ou enxugavam a alma na chuva que caía chorando por e com eles.
E foi correndo que num dia de sol radiante, onde bailavam borboletas sobre os campos de flores amarelas que os cercavam, que um olhou para o outro e perguntou:
- Por que estamos correndo?
O outro respondeu perguntando prontamente.
- Eu não sei. Tu sabe?
- Não!
Seus olhos arregalaram-se e os dois pararam de súbito, como há anos não tinham feito e que já nem sabiam mais se sabiam parar daquele jeito:
- Não sabe? – disse o primeiro atônito.
- Não! – respondeu o segundo nervoso.
- Carácas, que horas são?
- Que dia é hoje?
E sem demora, correram de volta.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Parafraseando...

Pois é... mas daí eu teria que dizer "Não" e seria contra o que escrevi...de que adiantaria?Não posso afirmar que "Não" pode ser sincero e que "Não" faça sentido o que se escreve... mas e deveria?
Até por que foi escrito. Poderia ter sido dito, mas foi escrito. Daí pode ganhar uma conotação mais pessoal e verdadeira. Escrever é do nosso mais intimo, é uma conversa com nosso "eu" que praticamente não existe. É como uma sombra que habita no mais escuro de nossos intímos, de nosso inconsciente. É ser único, como deverás somos. É quando apenas escutamos e nada mais. Percebemos a vida que passa real, concreto ao toque, mas ouvimos o que é demais abstrato da vida. Nem usamos a boca para a comunicação. É pela ponta dos dedos que tudo expressamos. E é no sozinho de nossas almas. No silencio da carne. No limiar entre o que é e o que poderia ser. Portanto é natrural. E se é natural, é verdadeiro...
... " è muito comum hoje em dia a polêmica ser a tônica do jornalismo"...
Concordo. E paro por aqui.
Mas "Não" deixo de acreditar no que sinto...

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Quem Mata Quem?



A pergunta que se faz é "quem mata quem"? Muito se fala, muito de proibe, muito se exclama mas pouco se sente...

"Não"?

Não diga "Não". O "Não" inibe, proibe, finaliza. Põe um fim ao que poderia ser, transgride o que seria. Um "Não" finaliza, diz que nada pode vir após. Um "Não", por mais contraditório que seja, afirma que nada mais há a dizer. Mas sempre há algo á dizer. Sempre existe algo á mais que nasce depois de uma boa noite de sono ou depois de findada a bebedeira. Depois de uma enxurrada, há sempre um talvez do sol que se oferece á secar; do vento que possa vir a suspender as lagrimas que se atiram ante a certeza vã. Definir-se tão radicalmente a qualquer coisa contesta nosso medo de pensar; constesta nosso direito de não estar sempre certo e de não saber sobre nosso direito de pensar sobre o assunto. Afirma que somos inúteis sobre aquilo que não temos certeza e nos dá a certeza de que somos ignorantes antes mesmo de atestar o que somos. Não diga "Não" simplesmente. Permita-se pensar. A unanimidade é burra, já dizia alguém que pensava diferente. E eu penso diferente. Eu, o dono deste blog, penso diferente. Não sei tudo e não pretendo dizer que sei. Se tu lê este bolg, o lê por saber que eu, o dono, não sei tudo e tu, que lê, também não sabe, por isso o lê. Por que então esta birra que atinge nossa pequena grande cidade? É, falo de São Leopoldo, onde todos acham que sabem tudo mas não sabem explicar por que nossos manifestos culturais não atraem grandes publicos. E aceitemos: todos aqueles que se expressam artisticamente, esperam o grande publico. Não por fama, mas por necessidade. Ter arte é buscar o sentimento alheio. É ser entendido, questionado, insultado, notado. Mentira de quem disser o contrario. Quem o disser é mediocre e não sabe o que quer. Assim como eu: Eu espero o grande publico. Confesso e admito: nunca serei mais famoso que o Fabricio Carpinejar. E isto é fato! Mas quero ser comentado nas ruas e ser entrevistado no "Paisanos em Prosa". Mas entrevistado não por ter todas as respostas mas por ter o que questionar. Que chato seria saber tudo. Que chato aquele que tudo sabe. "Bom mesmo é viver a vida assim, um dia após o outro. Assim a vida não cansa". Mario Quintana. Ele sabia. E eu atesto. Não diga "Não". No maximo um "Talvez". Não coloque pontos, no máximo, virgulas. Ou reticiências. Esteja aberto para o que pode vir. São Leopoldo não é um polo cultural e tão pouco a Secretaria de Cultura é um guru que tudo sabe e que tudo faz. Falta muito para isso. Ainda mais por que não depende da Secretaria, mas de mim e de ti, público e artista. Utopia? Concordo. Mas que tristes os caminhos se não fora a presença distante das estrelas... e agora tenho internet em casa!

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Da Série "Nossa Bossa"

Samba Oração
Tiago Agostini/João Bronstrup

Acordou mais cedo á cantar
Fez do sol seu samba a raiar
Ajeitou marmita e dinheiro
No amor deu-lhe um beijo
E foi trabalhar

Na rua o futuro desta nação
Arroz, ovo frito, pão e feijão
De janeiro á dezembro vai sem perdão.

Acordou a casa a gritar
Calculou o melhor pra exportar
Ajeitou seu terno de linho
Sapato um só brilho
E foi comandar

Bisness is the future of the wolrd
Chato, Valier, Chandon e Bôrdo
Férias de rei no exterior.

Batendo o martelo até se cansar
O outro teclando até se estressar
Mas quando acaba a semana
Se encontram na esquina
E vão pra sambar

A vida separa quem tem de quem não
Mas samba no sangue como oração
Mistura pobreza e alto escalão

domingo, 21 de setembro de 2008

Da Série "Nossa Bossa"

Dia a Dia
Totonho Lisboa/João Brousntup

Ah se você pudesse, quem sabe um dia entender
Que o amor é mais do que palavras
Ele é mais do que o dizer
O amor é o próprio amanhecer
Que poucos sabem ver

Ah se você pudesse, quem sabe um dia perceber
Que a amizade não é por um dia
Que a amizade é para o viver
Feito o sol que arde ao meio dia
Que aquece e ilumina

Ah se você pudesse, quem sabe um dia compreender
Que a vida passa tão depressa
Feito nuvem que ao vento se dispersa
E de repente chega o entardecer
E a vida acaba ao anoitecer

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

sexta-feira de madrugada

não adianta, o passado sempre estara ligado ao futuro. Se agora não cheiro o pó que trilhas ao meu caminho, amanhã ou depois ei de me engasgar na poeira que foi tua presença. és como a cólera que vicia meu organismo em comprimidos de fazer-me equecer que foi tu um dia quem viciou-me. não és tempora e eu não sou temporal (ao menos tento me controlar) e sempre assim seremos, vontade e capacidade... e para todos aqueles que reclamam e não agem, o meu perdão...

sábado, 6 de setembro de 2008

rotina social

o cara passou o jogo inteiro bebendo cerveja. parou no bar gremista mais badalado e por ali ficou até que os 105 minutos de futebol acabassem. vibrou, disse palavrão, coçou o saco, mijou, pensou em coisas utópicas, desejou ser milionário, deu atenção à menininha que vendia balas de goma, ponderou perder o caminha da volta, mas, pagou o que devia e foi embora. em casa fez a janta, ameaçou por a filha de castigo se ela não fosse dormir e gruniu antes de virar para o lado e dormir enquanto sua mulher assistia 'Zorra Total' na TV. até achou que seria viavel dizer umas verdades para ela, mas queria acordar cedo para ver a Formula 1...

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

declaração de sexta-feira para Aline Patricia de Moura (se não queres ler algo piegas, não leia este post)

amo minha mulher e é somente a ela que amo. embora existam outras mulheres em minha poesia, todas elas são somente mulheres passageiras, pois minha mulher mesmo é somente a que amo. é somente com ela que quero deitar-me, entregar-me ao mais profundo amor que o sexo busca. é somente com ela que quero fazer planos de futuro de propaganda de margarina, por que ela é minha história, meu passado, meu futuro. é ao lado dela que quero chamar meu filho de 'meu filho' e é somente ao lado dela que quero ter meus filhos. é ela, mesmo que não sendo perfeita, que é minha razão (até porque a perfeição é muito sem graça). e se quero alguém ao meu lado que combine 100% comigo, caso-me com um amigo. ela é doce tal qual a doce manhã que amanhece nas manhãs de primavera, mesmo que seja inverno. é ela que traz a luz do meu dia, o sol do meio dia que aquece e ilumina. ela é a noite que, mesmo longe, vela meus sonhos e minhas determinações. é por ela, minha mulher, a mulher que amo, que tento ser homem e não somente este ser molecular que ocupa um lugar na terra e que tenta ser outro e não mais um. é somente por ela que tenho um emprego assalariado, pois assim posso provar-lhe que é ao seu lado que quero ser alguém. mesmo sendo estas linhas escritas num momento em que bebo mais do que a própria razão pode suportar, escrevo o que há de mais verdadeiro, pois é ao lado desta mulher que quero viver os últimos dias desta minha vida aqui nesta cidade. e não sei se há palnos de fuga, pois dúvido que algum dia eu seja alguém maior do que sou agora. mesmo querendo, sonhando, planejando, acho que nunca vou ser mais famoso que o Carpinejar. e isto é sério. nem pinto as unhas. se ainda as pintasse... mas não quero me desvirtuar. este post é apenas para dizer que ela, Aline Patricia de Moura, é a mulher de minha vida. é ela que faz com que este insuportável ser boemio torne-se alguém suportável. é ela que transforma esta forma impulsiva de vida em plano e recomeço. é ela, meu amor, que me faz querer a todas as outras mulheres em meus versos, mas ter a certeza de que é somente ela quem pode me trazer o veradeiro amor, aquele que não se explica e que não acompanha sinonimos poéticos ou outras formas de expressão escrita. nosso amor é somente vivido e, embora hajam muitas brigas e contravenções, é somente ao lado dela que me sinto completo e único. ao meu amor, Aline Patricia de Moura, é que peço: mesmo que seja eu um boemio incorrigivel e um poeta sonhador não me abandones pois é somente ao teu lado que quero ser alguém de verdade. por que fostes tu quem me destes a chance de amar de novo e, mesmo que eu venha dificultando, vem me ensinando que o amor ainda existe e que ainda pode estar no meu caminho. á ti, minha musa eterna, escrevo em eterna gratidão este poema. e é para ti todo o amor que me houver nesta vida...

Triscanaturagem

O sonho dele era ser cantor. Desde de sempre, cantava. Brinca dizendo que quando nasceu não chorou, cantou em capela Cry Baby, da Janis Joplin. Quando moleque, gostava de ficar sentado no quintal de casa ouvindo os passarinhos que cantavam entre as árvores. Retribuía cantarolando uma canção afinadíssima na cozinha, enquanto sua mãe preparava o almoço. A mãe elogiava contando uma lenda de que seu pai e ela o conceberam ouvindo Quarta-feira de Cinzas, na voz de Vinicius de Moraes e Toquinho. E ele tratou de cantar para alegrar a cidade. Cantava na escola, no campinho de futebol, na padaria, no ponto de ônibus e na beira da praia. Mas não cantava no chuveiro. Essa não era uma extravagância para a realidade daquela família, dizia o pai. Mas a grande questão é que ele gostava mesmo era de público. Gostava da energia, de ver a troca entre a música e o sorriso alheio. Não havia reunião de amigos que não era embalada pela sua bela voz. Ninguém lembrava de levar o mp3 para o acampamento quando ele estava junto. Cantava da manhã até a noite. Mas não era um repertório, era uma trilha sonora natural. A música fluía no mesmo compasso em que a natureza que os cercavam. Quando dormia, ou mesmo quando acordava, sonhava em ser famoso, ter sua música reconhecida, levar suas notas músicais para todos os cantos do mundo, para todas as pessoas do mundo. Mas lhe faltava um tantinho de coragem. No fundo, sabia que ali era o seu lugar. Entre seus amigos, sua família. A música era parte da vida não uma necessidade pra viver. Os amigos e todos o incentivavam a sair e correr atrás de seus sonhos, mas ele se mantia acomodado. Ouvia e bem recebia cada conselho, mas preferia manter-se imóvel. Até que não teve mais como fugir desta questão. Um dia, informado por um de seus amigos, ficou sabendo que um programa de rádio que procurava talentos pelo país estava realizando uma audição a 300 quilômetros da sua cidade. Ouviu a noticia com brilho nos olhos. Seu peito estalou. Suas mãos suaram, esboçou um leve sorriso e disse para si: é agora! Decidiu que iria participar do programa. Chegara sua hora! Todos festejaram a decisão. A cidade não parava de comentar: seu filho mais ilustre estaria galgando seu sucesso. Seria ao mesmo tempo o sucesso de todos. E ele se preparou, e muito. Ensaiou, decorou, aprendeu, se convenceu. A cada manhã acordava mais entusiasmado. Tinha certeza que era sua hora. Sabia que era hora de realizar seu sonho e estava pronto para aquilo. Escolheu a música de sua alma. E não contou que música era essa pra ninguém. Ninguém saberia qual música ele iria cantar até o dia da audição. Juntou dinheiro, algumas roupas na mala e não esqueceu a escova de dentes, o sabonete e o violão. Chegou o dia da partida e partiu. A cidade parou para vê-lo passar e seguir, rumo à realização de um sonho, um sonho de toda aquela população. Na cidade da audição, uma cidade grande, desceu na rodoviária e procurou um hotel. Informando-se sobre o local das inscrições para o programa, para lá rumou e tratou de começar a construção de uma realidade. Nos dois dias que faltavam para a apresentação ficou no hotel, ensaiando, inspirando, ouvindo os pássaros que pousavam nos postes de alta tensão em frente a janela de seu quarto. Ligava para casa e, além de dizer que estava tudo bem, não respondia as insistentes perguntas de seus pais para saber qual música ele cantaria. Era segredo. Um mistério. A cidade estava empolvorosa. Nos bares, nas padarias, nos restaurantes, nos bancos da praça e na fila dos bancos só o que se falava era de sua viajem e de qual possível música ele iria cantar. Os mais chegados davam palpites quentes e confiantes. Mas todos sabiam que ninguém sabia qual seria a música. Acordou para o grande dia com um vasto sorriso. O sol entrava pela janela e iluminava seu rosto. Os pássaros lá fora cantavam em coro. Tomou um banho, vestiu a melhor roupa, tratou de sua higiene epidérmica e bucal e saiu saltitante hotel afora. No local da apresentação, mantia-se concentrado. A fila com os outros candidatos era grande mas continuamente em movimento. A expressão no rosto de cada um dos candidatos era contrastante antes e depois de sair da sala de audição. Mas as lagrimas nos olhos eram unanimidades. Ou choravam por passarem na eliminatória ou choravam por não passarem. Cerca de duas horas depois, chegou sua vez. Parou ao lado da porta esperando que o candidato que estava a sua frente na fila saísse. E este saiu chorando copiosamente. Não passara. Ele, ao lado da porta, ficou um pouco abalado, mas não se deixou desmotivar. Confiava em seu dom. Era um dom natural, que nascera junto de si. Era naquilo que acreditava. De repente, era sua vez. A porta se abriu para que entrasse. Antes de dar o primeiro passo, fechou os olhos, respirou fundo e pensou em toda sua vida e em todo seu povo que estava acreditando nele. Era aquele o momento. Para ele e para todos. Apertou as mãos em tom de confiança e deu o primeiro passo. Na cidade, todos por um instante suspiraram fundo e pararam o que estavam fazendo. Fez-se um silêncio mútuo. Na sala de audição, eram três os jurados que avaliavam o candidato. Dois homens e uma mulher. Ele parou ante os três e ficou parado. O jurado do lado esquerdo, um loiro alto e com cara de quem acabou de acordar, o interpelou.
- então você acha que tem talento?
- sou apenas um tom na música da vida – respondeu confiante.
- hum, gostei – disse a jurada sentada no meio da mesa.
- então cante! – finalizou o candidato do lado direito.
E assim ele o fez: cantou. E cantou divinamente, como nunca havia cantado antes. Seu corpo todo respondia a cada nota que saia de suas cordas vocais. Era como o canto dos pássaros das árvores a frente de sua casa. Era como o cheiro da comida que vinha das panelas na cozinha, com sua mãe. Era uma música que alegrava a cidade. Porque eram tantas coisas azuis, eram grandes promessas de luz. Era tanto amor para dar... Naquele instante, a música era sua alma e sua alma era luz. Tinha os olhos fechados e os braços elevados aos céus quando a música terminou. Abriu os olhos baixando os braços lentamente e viu um sorriso de satisfação estampado no rosto de cada jurado. Ele também sorriu. Sorriu confiante. A cidade também sorriu e voltou ao seu ritmo normal. Ele conseguiu! Quem começou falando foi o jurado da direita:
- incrível! Você tem razão, você é um tom na música da vida. Aliás, você é a própria música. E a escolha da música para esta audição foi perfeita. Meu voto é “sim”, para que você continue na disputa para ser o próximo talento do país.
- concordo plenamente – continuou o jurado da esquerda – você foi quase perfeito. Seu corpo todo cantou junto contigo. Foi lindo. A música foi divina. Mas acho que para um novo talento do país você ainda não esta pronto. Falta algo que eu não sei o que. Vocé é ainda muito normal. Meu voto é “não”.
O sorriso que ele ainda mantia depois da fala do jurado da direita, de repente enfraqueceu. Recebera um “não”. Não estava pronto para aquilo. Será que teria falhado? Será que não era sua vez de brilhar? Se recebesse um “sim” da próxima jurada seria sua glória. Se recebe um “não”... não conseguia nem imaginar. Seria um fim?
- agora sobrou pra mim – começou a jurada do meio da mesa. Vou ter a terrível missão de decidir sobre sua permanência neste programa para se tornar o novo talento do país. É preciso que você saiba que só o fato de você estar aqui já é uma vitória. Você já é um grande talento e se continuar lutando, com certeza logo chegara lá...
O jurado da direita á interrompeu:
- ora, diga logo sua resposta. O garoto está aflito, querendo saber o que será dele e você fica com este papinho paternalista? Faça-me o favor!
- como assim? - reagiu o jurado da esquerda. As coisas agora tem que ser instantâneas, imediatas, cruas e cruéis? Deixe que a adrenalina corra as veias de quem ainda é jovem.
- estás me chamando de velho? - rebateu o jurado da direita.
- velho não. Insensível.
- ah, sim. O melhor então é nos rendermos á um mundo sensível, onde todos choram ao nascer do sol, onde todos batem palmas para o crepúsculo e onde todos cantem para a lua? A verdade tem que ser crua. É essa maquiagem que usamos sobre as coisas que tem que ser ditas que transforma as pessoas em perturbadas e mendicantes. Pra que ficar vivendo de ilusão? Encaremos a realidade e veremos que os sonhos são reais.
- uau, profundo! – ironizou a jurada do meio da mesa- Quer dizer então que o grande barato é deixar tudo concreto, é?! Se nem a natureza, que é nossa mãe, é concreta, seremos nós, rélos conteúdos moleculares desta existência, concretos? Se tudo fosse concreto, onde nasceriam as árvores?
- não estamos falando de ecologia, minha nobre colega naturalista. Estamos falando de fatos. – concluiu o da direita.
- não seja tão cético, meu caro – bravou o da esquerda – Todos nós somos feitos de possibilidades, de tentativas, de motivações. Se tu digeres bem as coisas cruas, nem todos tem estomago para tanto. A carga emocional que carregas não é a mesma carga emocional que outros carregam. Tens que aprender a viver num mundo onde as diferenças existem.
- ora, ora – recomeçou o da direita- temos aqui um belíssimo espécime de homem diferente. És igual a todos estes sonhadores que se escondem atrás de medos irreais para não conseguir o que tanto querem. Medos, estes, que nascem da certeza de saber que para se chegar lá, onde as conquistas estão, é preciso perder muitas outras coisas, tais como comodidade, segurança, certeza, porto seguro. Inventamos que é a falta de incentivo alheio que nos prende a ser o que somos. O que somos de verdade é o resultado de nossas escolhas. Livre arbítrio, já ouviu falar?
- opa! – levantou-se exaltada a jurada do meio – Só um minuto. Como assim? Você está se esquecendo de que somos também o que os outros pensam que somos. Nós somos o reflexo do meio externo onde vivemos. É o ciclo da natureza. O ciclo da vida. Nossa vida é parte da vida de todos aqueles que nos cercam. Eu dependo de tua troca de energias para manter as minhas energias equilibradas. Eu respondo ao seu mal-humor, a sua alegria assim como respondes também as minhas emoções e as minhas motivações...
- espera, aí – levantou-se o da esquerda – assim estás dizendo que somos um bando de Maria vai com as outras?
E ele ficou ali no meio, parado, vendo os jurados discutirem entre si, esquecendo que ele estava ali parado, aflito, afim de saber o resultado que mudará sua vida. Permaneceu por mais 20 minutos ali, estático, mudo, impressionado. Desistiu de esperar. Virou-se lentamente e saiu da sala. Foi direto para o hotel. Pegou sua mala, seu violão, a escova de dentes, o sabonete, o violão e voltou para casa.

domingo, 31 de agosto de 2008

injustiça!!!

Banco de Imagem - skyline, human, cabeça
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sabe qual que é? fico impressionado com essa gente que pensa, ou acredita, ou acha, ou imagina, que tem a solução para tudo e que é o grande injustiçado da humanidade. essa gente que chora por que não recebeu duas estrelinhas da profe. essa gente que quando não ganha, por que tem o ego maior que o buraco da camada de ozônio, fica pelos cantos chorando e dizendo que não era legal, que tudo foi mal organizado, que não deveria valer. gente mimada e sem coragem de sair debaixo do cobertor de lã! gente que passa a vida tentando ser globático, aperecer no arquivo confidencial do faustão, dar entrevista ao jô e ter sua vida repassada no video show, mas que fingi ferrenhamente de que não é nada disso. tem um, li não faz muito tempo em um blog antigo, reclamando que em são leopoldo ele não era reconhecido e que agora, quando um paulista viu seu trabalho como blogueiro (uau, a profissão do futuro!), esta sendo reconhecido. tadinho, e a gente de são leopoldo não colocou esse santo no seu devido altar? como somos cruéis! não acredito que deixamos nosso filho desamparado. ainda mais são leopoldo que tem mais de 23 mil pessoas abaixo da linha da pobreza. como essa gente não deu valor ao seu filho mais talentoso? teve que vir o uol para satisfazer o apetite popstar de nosso desgarrado capilé. também teve, tem, aquele que ainda não admite que seu texto não tenha sido publicado em livro. mas como? atenção todos os capiles, temos que dar mais valor aos nossos genios! impossivel conceber que nosso imortal não tenha seu texto publicado em livro tão genioso e de edições mundiais. logo são leopoldo que tem taxa de analfabetismo em mais de 4,78%. inconcebivel. ha também quem, lacrimejem, nunca teve sua musica reconhecida pela grande massa leopoldense. pode? nós que temos mais de 350 bandas em são leopoldo não reconhecemos nosso brilhantissímo musico. ate beethoven foi reconhecido. mas nosso gênio não. Inacreditval, ainda mais para uma cidade que foi uma das protagonistas num dos maiores desastres ambientais do estado com a mortandade, por níveis de poluição do rio dos sinos, de mais de 85 toneladas de peixes. é inverossimil que uma cidade como a nossa não esteja dando visibilidade e sucesso aos seus grandes artistas. inclusive eu, um dos maiores atores do estado, um dos maiores cineastas e fotografo da são caetano, não tive meu sucesso ainda reconhecido. por que a globo ainda não veio me buscar para ser astro de suas novelas? porque ninguém de são leopoldo me leva para fazer teste no sbt? onde esta hollywood ou a national geographic que ainda não reconheceu meu talento nato? não entendo. como isso pode acontecer em são leopoldo, a cidade onde há o maior numero de mortes entre jovens no pais? por favor, deixem-me respostas, preciso delas. sei que são vocês que as tem. voces, genios inconfundiveis e desprezados. van goghs capilés! não, não deixai, ó povo tão humilde, que passe a vida sem que reconheçamos aqueles que tanto fizeram-fazem-farão por nos. não deixemos apenas para a morte o reconhecimento destes seres que vieram para este plano terreno para nos salvar de todo mal e de toda dor. e que estes nossos grandes mestres nos ensinem. que olhem para este povo que, bem ou mal, tenta fazer alguma coisa culturalmente ativa. este povo que não detem todas as qualidades cenicas, musicais ou corporais, mas que sabe que mais vale um povo burro que age, do que um povo ignorante que só fala. trazei-nos a luz, óh mestres renascentistas! ou isto, ou parem de reclamar e pensem em soluções mais úteis a nossa terra. como pontuar um texto, por exemplo...

terça-feira, 26 de agosto de 2008

motivos para não beber?

eu acho que estou enlouquecendo. já nao sei mais o que sou, o que quero ser ou o que ainda posso ser. sinto estar no limiar entre a decadencia e a ascendencia. não sei se vivo um amor ou se é ele que me curte. já nao sei por quem estou apaixonado ou quem está apaixonado por mim. um dia fui viril ao extremo e hoje sou poeta. e quem ainda lê poesia? pra quem a poesia ainda interessa? o que querem se não a busca pelo instantaneo? consomem drogas que levam ao extremo do fim em lugares que são o extremo da surdes (também por que não há nada a dizer); olham o sexo oposto, ou o mesmo, e nele procuram o imediatismo. é natural, perduram. é da idade. que idade? a tua? do organico? esta é uma geração Miojo. trabalho em um trabalho que por vezes me convence que nada adianta de fato, pois sem fome não há a venda dos pratos, e por vezes me convence de que contrataram a propria fome para trabalhar. amontoan-se as siglas e os corpos. no mais, são todos noticias do jornal das oito. e do meio dia. se eu te convidasse para almoçar em um frigorifico, em meio as carnes semi-vivas o que me dirias? e se te convidasse para almoçar em minha casa assistindo ao Jornal do Almoço? não tenho nada mais que minha ideologia. e para que serve ninguem sabe. quase nem eu sei. bebo, fumo, choro e escrevo. a distancia é uma merda, mas a merda é necessário ou explodiriamos. é também na distancia que me pego a pensar em ti. e este pensamento é o que norteia o primor destas linhas. nem sei se teus labios já tocaram outros labios ou se um dia querem tocar os labios meus. mas és minha princesa e no reinado desta angustia sou teu servo. para o dia de amanhã digo que esta é a terceira bock e que, portanto, só penso o que esvrevo... mas ainda acho que estou enlouquecendo. aos meus amigos que ainda acreditam na esperança, peço força. aos que já nem acreditam mais, ofereço um copo...

sábado, 23 de agosto de 2008

Só na ponta...

Está uma noite daquelas. A lua flutua no mar negro da imensidão do espaço linda, cheia e resplandecente. A temperatura está amena, ideal para se beber um café ou uma cerveja. Na rua, as pessoas saboreiam a noite por ser sexta-feira e por estar uma deliciosamente noite para se saborear. Todos, hoje, são amantes boêmios da vida. Inclusive ele, que sorve o último gole de seu café e fecha a mochila de viajem. Coloca-a nas costas, enche o pote de ração do gato, alisa-o por inteiro, pega as chaves da moto, o capacete, apaga todas as luzes de seu apartamento e sai. Estacionada na frente da porta do edifício está sua moto, uma Dafra Kansas, 150Cc estilo estradeira. Coloca a mochila sobre o banco e passa o extensor prendendo-a firmemente. Põe o capacete, monta sobre a moto, dá a partida, olha para os lados como que procurando um rumo e acelera seguindo a mão de transito da rua. Não sabe para onde ir, mas sabe aonde quer chegar. Toma a estrada e ela o toma. Atira-se no horizonte escuro que se estende ante seus olhos e deixa-se embalar pelo vento. Um vento morno, que acaricia seu rosto de forma tenra e acolhedora. Seu olhar fixa-se à frente e seus pensamentos vagam para todos os lados conduzindo a velocidade da moto e essa, amena, não ultrapassada os 80Km/h. No céu alguma estrelas imitam o tintilar de luzes da cidade que vai ficando pra traz. O cheiro do vento agora é de crustáceo. O próprio ar é mais gorduroso. É bom, lembra o verão. E o verão lembra disposição e a disposição lembra auto-estima. Sorri com os cantos da boca.
Das três pistas da Free-Way escolhe a mais à direita. Não há pressa. Só o que lhe interessa é partir, seguir em frente, sair de casa, abraçar o mundo. Dar uma chance à aventura, ao inesperado, a surpresa. Cada quilometro rodado é um ano á mais de vida. E não por um calculo cronológico, mas por um melhor aproveitamento dos anos já vividos. Há tempo para pensar, refletir, lembrar. A estrada é longa, plana e reta. Permite à mente desligar-se em quase sua totalidade e deixar que a razão coordene o pouco que há para coordenar. Ele simplesmente segue. E seguindo torna-se livre. E a liberdade é estar vivo. Livre arbítrio. Tem essa regra tatuada no pulso esquerdo. Ergue-o, lê e suspira. Livre arbítrio. Do bolso da jaqueta que veste retira um cigarro e um isqueiro. Por que não? O vento traga bem mais fundo, mas e daí?! O fato não é fumar, mas escolher fumar andando de moto. O tempo por um instante deixa de existir, ou melhor, deixa de correr.
De repente algo no retrovisor direito lhe chama a atenção. Consequentemente a mente retorna ao seu lugar. Do retrovisor identifica um carro em alta velocidade, vindo na mesma pista que a sua. Ele guia a moto no meio da pista e decide mantê-la assim enquanto sentir-se seguro. O carro continua vindo atrás dele como dois meteoros paralelos atirando-se na imensidão da noite. E ele esta na frente deles. Duas luzes brilham. É uma vermelha e outra azul. Não são meteoros, é a policia. Os faróis da policiam aumentam e diminuem de intensidade, num sinal claro que estão sinalizando para ele. Como eles não diminuem, ele decide reduzir ainda mais a de velocidade, tomando o acostamento até parar a moto por completo e desliga-la. A viatura da policia pára logo atrás. Um policial desce e ele retira calmante o capacete. Um outro policial também desce da viatura, mas fica parado em pé atrás da porta aberta. O primeiro á descer aproxima-se da moto e lhe ordena:
- boa noite. Os documentos da moto e do senhor, por favor.
- boa noite. Claro. Vou pegar a carteira no bolso da calça, ok?!
- claro.
Ele pega a carteira e entrega os documentos requisitados. O policial com os documentos averigua a numeração da placa e da habilitação. Após, devolve-os:
- ta indo pra onde?
- floripa.
- floripa a essa hora? Conta outra!
- e qual a hora certa? Trabalhei até as 6 horas da tarde me arrumei e saí.
- sei. E na mochila?
- roupas.
- sei. E um bagulinho pra fumar e vender lá em Floripa, né?!
- não.
- e pra que andar tão devegar?
- não há pressa.
O policial sorri ironicamente e grita ao outro parado atrás dos faróis e da porta aberta da viatura:
- tu ta ouvindo? Ele falou que ta andando devagar por não tem pressa. Na Free-Way! Pode? – voltando rispidamente para ele – conta outra! Tu ta loução, sim! Com uma baita moto dessa tu não vai querer correr?
- ela é 150Cc. Se eu correr, chego até onde?
- da onde 150Cc? Essa aí é daquelas de 750Cc.
- não é não. É só a cara dela. Essa é uma Dafra Kansas 150Cc.
- é nada!
- tu não viu no documento?
- é claro que eu vi! Mas não desconversa. Tu ta loução, sim! Olha tua cara, olha pros teus olhos. Tão um vermelhão só.
Ele para e fita profundamente os olhos do policial. Não pisca. O policial devolve um olhar incisado e cansado. As olheiras dimensionam as horas de trabalho. Quando pisca, uma lagrima escorre. Do nada, começa a chorar. Contidamente mas lacrimejosamente. Ele baixa os olhos por um instante e quando levanta começa a falar. O policial está espantado:
- cara, eu perdi tudo. Acabei de perder meu emprego, minha casa e minha mulher. A única coisa que salvei foi esta moto que inda estou pagando. Há um mês atrás eu tinha tudo: grana, mulher, casa, família, futuro, felicidade. Daí resolveram na empresa que era melhor cortar gastos. E eu descobri que era um gasto pra eles. Oito anos fazendo a mesma coisa, dedicando cada segundo de aprendizado para entender todos os sistemas de uma empresa que me considera um gasto. Minha mulher resolve, então, que é hora de falar a verdade, de dizer que há tempos as coisas não vão indo bem entre a gente e que era melhor falar logo do que ficar enrolando ainda mais. Mas ela disse que não era pra eu me preocupar, pois eu encontraria alguém especial para mim. E disse também que a casa ficaria com ela, pois fora seu pai quem tinha emprestado o dinheiro da entrada para compra-la. Só esqueceu de mencionar que era com meu dinheiro que o empréstimo estava sendo pago, assim como as parcelas que ainda restavam da casa. A moto ficaria comigo e também as prestações. Disse ainda que só estava fazendo aquilo pois sabia que aquilo era o melhor pra nós dois. Simples, assim. Ela sabia por nós dois. Agora me diz, vou ter pressa pra que? Pra chegar onde? Não tenho mais nada, só tenho um irmão em Floripa. E é para lá que estou indo, nada mais. Com toda minha vida nesta mochila. Meus olhos vermelhos de chorar são a única prova que tenho do que estou falando.
O policial engole á seco. Olha para o lado e percebe que seu parceiro saiu do lado da viatura e também está ali, ouvindo. O silêncio é barulhento e perturbador. Ele baixa os olhos. O policial que chegou depois se obriga a encerrar aquele clima:
- então essa moto é 150Cc? Melhor ir devagar mesmo. Está até uma noite muito boa para se andar devagar de moto.
O outro policial volta de súbito do pensamento distante em que estava:
- é sim, é.
- vai lá, vai tranqüilo. Boa viajem. E se precisar da gente é só ligar. O numero está nas placas da rodovia. E guarda o numero porque depois de passar a fronteira dos dois estados me liga igual que eu mando o cara certo te ajudar.
Ainda sentado na moto, ele levanta os olhos úmidos:
- obrigado.
- vamos – diz o policial para o outro – eu dirijo.
Os guardas dão as costas, entram na viatura e seguem com os faróis baixos e em silêncio.
Ele observa a viatura que se perde no breu da estrada. Quando ela desaparece por completo, dá um sorriso irônico com o meio da boca. Recoloca o capacete, liga a moto, acendo outro cigarro e recomeça seu rumo.
A estrada parece mais leve. Talvez seja a sensação de piedade que acabara de gerar. Talvez, até, seja este o último sentimento que nos mova e que ainda pode nos mover: piedade. E um pouquinho de malandragem, é claro.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Quarta-Feira - um reencontro depois muitos tempos

Amanda esta sentada escrevendo no computador. Olha pelo canto direito do olho e vê a tarde que se vai entre a persiana da janela. Não foi ao trabalho. Precisa ficar em casa sentada, escrevendo ao computador e espiando pelo canto direito do olho vendo a tarde se indo por entre a persiana da janela. Nem bem sabe o que está escrevendo, mas está. Até que encontre alguma inspiração, escreve apenas o que lhe vem aos dedos. Letra por letra. Espirradas pelas extremidades de seu corpo. São resfriados gramaticais. Um vírus contraído normalmente quando se degusta uvas Merlot ou sedas de arroz. Mas pode vir simplesmente pela fadiga racional. No caso de Amanda, um pouco de cada. Agora que se tornou uma pessoa tributável, com salário, compromisso responsável e uma boa quantia de remuneração, sente que os momentos de fadiga racional são importantes e, ainda, não podem ter hora marcada. Vai levando até quando der. E hoje está dando. Levanta-se para trocar o disco de vinil que toca na vitrola. Sim, uma vitrola. Coloca para escutar Tom Jobim e Elis Regina - neste instante Amanda pára, pensa e decide não comentar sobre o vinil. Não há o que comentar.
Está sem fumar á quatro dias. Melhor dizendo, está fumando menos cigarros á uma semana e meia. Fuma dois, três cigarros por dia. Quando fuma. Não fez promessa nenhuma. Apenas quis reduzir e está reduzindo. Ás vezes é bom provar para si mesmo que se é capaz de decidir as coisas para si mesmo.
O que acontece quando a realidade é aquilo que imaginamos? Se nos suicidar-mos com o pensamento convicto no que gostaríamos de termos sido, não acordamos em algum outro lugar sendo aquilo que desejávamos com tanto afinco? Sem lembrar de tudo, claro, senão não teria graça alguma. A sensação é estar disposto a perder algo tão valioso para ser o que se deseja ser. Neste caso, perder a vida. Acreditar que reencarnação é simplesmente vibrar diferente. Mas será que já não sou o resultado de um suicídio convicto de outra vida? Será que alguém em outra vibração não se suicidou com o pensamento convicto em ser o que sou? Que sabor tem a frustração imortal? Deixa-se levar pela musica. Se o passado é aprendizado, nada impede que se possa refazer o passado no futuro. Mas como fazer isto sem tentar revivê-lo?
A tarde se esvai pelo canto direito da persiana da janela, entre os olhos de Amanda...

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Stricapuntinga

Ele está sentado na mesa do boteco olhando para o copo cheio de cerveja como se esperasse uma resposta. Ela chega, sela um beijo na boca dele e senta-se ao seu lado erguendo a mão direita com o dedo indicador em riste pedindo um outro copo.
Ele começa:
- demorou.
- não marcamos horário certo. nos veríamos no fim da tarde. Ainda é fim de tarde.
- tu sai do trabalho as 6h. agora são 7h15. tu demorou.
- demorei para o que?
O garçom traz o copo.
- pra me encontrar.
- não demorei, não. Marcamos o encontro conforme a posição do sol e o sol esta ainda na posição que marcamos. Portanto, não demorei.
- tu não leva 1 hora e 15 minutos pra sair do trabalho e chegar até aqui.
- e quem disse que eu viria do trabalho direto pra cá?
- achei que tu viria.
- achar não é ter certeza.
- onde tu foi?
- fui fazer umas coisas que eu precisava.
- que coisas? Cagar, mijar, coçar o cu? Que coisas? Seja mais especifica.
- ih, qual é? não sabia que esse encontro era pra ser um interrogatório.
- por que interrogatório? To fazendo perguntas simples para respostas simples. Ou tu não sabe o que responder?
- ah, tá. É vestibular, então. Tu devia ter me passado a matéria que cairia seria relações rotineiras de uma mulher independente.
- deixa de ser engraçadinha. Tu é minha namorada, tenho todo o direito de saber onde tu estava.
- opa, agora chegamos no ponto certo. pede pro Anderson um dicionário e procure “namorada”. Acho que tu não vai achar como definição “prestar contas de todos os passos dados sem seu namorado”.
- deixa de ser troxa. Agora que tu tá num empreguinho novo, acha que pode me tratar assim?
- tratar como? Tu ta viajando demais para um encontro pra beber uma cerveja. Se tu tivesse m pouco mais de coisas pra fazer durante o dia, não ia ter tempo pra ficar pensando merda.
- ah, agora o problema sou eu por que não tenho um emprego igual ao teu, né?! Deve estar me achando um inútil, é isso?
- que inútil? Tu é que fica com esse papo sem conteúdo e quer me aporrinhar.
- ah, claro. Eu estou sempre te aporrinhando. Agora que tu tem emprego, dinheiro e tudo mais, o pobretão desempregado aqui fica te aporrinhando. Quem sabe tu sai com um dos teus coleguinhas intelectuais?
- garanto que eles não viriam com este papinho...
- claro, com dinheiro e carro do ano quem precisa de papinho? É só ir num lugar bem caro, pagar todas as bebidas, te colocar num carro zero quilometro e te levar para um bom motel que não precisa nem de papo, tu vai logo abrindo as pernas e ta tudo certo.
- tu ta começando a me ofender.
- quem ta me ofendendo é tu. Fica jogando na minha cara que eu não tenho emprego e nem grana.
- quem disse isso? Eu só queria te encontrar.
- é, mas não pode responder onde estava antes de vir pra cá e por que demorou tanto.
- eu já te falei que não tava fazendo nada.
- opa, agora há pouco me disse que tava fazendo umas coisas pra ti e agora me diz que é nada. Fala sério.
- porra, onde tu quer chegar?
- na verdade!
- e que verdade? Eu já disse a verdade.
- como assim? Me pergunta qual verdade mas me diz que já disse a verdade? Se tu não sabe qual a verdade então como pôde me dize-la?
- dá pra parar com isso, por favor!?
- então fala.
- falar o que?
- o que tu tem pra me falar.
- mas eu não tenho nada pra falar, que saco!
- tu nunca tem nada pra falar. Tá sempre guardando segredos e sendo misteriosa.
- mas que merda! Qual que é a tua? A gente veio se encontrar pra tomar uma cerveja, ficar numa boa. Por que tu tem sempre que estragar tudo. Quer saber, vai a merda! Eu vou embora.
Tenta levantar e ele a segura pelo braço.
- espera. Desculpe. Eu não to legal.
- eu sei que tu não ta legal, mas também não precisa descontar em mim.
- ta, desculpe. Vamos tomar mais uma cerveja?
- mais uma não, uma. Ainda não bebi nenhuma.
- então bebe agora.
Ele levanta o braço direito e pede mais uma cerveja ao garçom.
- como foi no trabalho?
- normal. Umas burocracias e alguns e-mails. Como sempre.
O garçom traz a cerveja.
- tu pode pagar? Estou sem grana.
Ela suspira.
- claro.
- quer saber, esquece. – para o garçom – anota essa pra mim que eu pago amanhã de tarde.
- não precisa, eu tenho grana.
- se é pra ficar suspirando pra pagar uma merda de uma cerveja, não precisa. Só por que eu estou sem grana?
- não tem nada a ver. Eu só suspirei porque eu não queria que tu tivesse nessa. Ta sempre sem grana, mas não se mexe pra arranjar um emprego.
- emprego? que emprego? Onde é que eu posso trabalhar? Quer que eu fique trancado num comércio de merda pra vender um monte de eletrodoméstico em 500 prestações pra um bando de consumista insaciável idiota e ganhar 400 pilas por mês? To fora. Sou muito mais viver do que me render a esse sistema.
- que sistema? É só um emprego. Pode até ser só temporário. Mas pelo menos vai te dar grana pra gente poder fazer umas coisas a mais por nós dois. Melhorar nossa relação.
- ah, agora sim. Agora chegamos a verdade. Nossa relação ta uma merda porque eu não tenho grana, né?!
- não tem nada a ver.
- nunca tem nada a ver. Tu sempre demora, mas depois fala. Fica fazendo nesse joguinho de adolescente. Fala logo! ta uma merda porque eu não tenho emprego e nem grana e o que tu quer é um cara com emprego e grana.
- não, espera...
- espera o caralho! Quer saber, tu merece um desses playboizinhos de merda que ganham mesadinha do papai e tem um empreguinho de fachada nos negócios da família. Tem um carrinho que o papai deu quando passou no vestibular pra direito diurno, faz quatro cadeiras e te leva pra jantar no Scheneider. Depois te leva para o Mediterrâneo, te fode de qualquer jeito e sem nenhum sentimento e te descarta como se tu fosse só mais uma conseqüência que o dinheiro pode trazer. E tu ainda fica ligando pra ele cheia de amores no dia seguinte e ele nem te atende. Quero ver um cara desses te amar como eu te amo, sem dinheiro mas com muito sentimento. Com amor de verdade, como um poeta, como um amante.
- pelo amor de Deus, não é nada disso.
- nunca é nada disso! É sempre viajem da minha cabeça. é sempre eu que estou errado. A tua intuição até pode valer, mas a minha não. Qual é? Acaba logo com esta porra de relacionamento se tu ta cansada.
- tu tem razão. Eu estou cansada sim.
- viu!? Tu não tem coragem de dizer. eu tenho que ficar te apertando pra que tu fale alguma coisa. Eu sabia.
- não, não sabia não. Eu não to cansada da nossa relação, eu estou cansada é destas tuas paranóias. Pra mim chega. tchau.
Ela se levanta.
- onde tu vai?
- eu vou embora. Pra mim chega.
- então esse é o fim?
- não sei. Mas por agora é.
- viu como tu não me quer mais?
- acho que quem não me quer mais é tudo. Olha a forma como tu me agrediu verbalmente. Me tratou como uma puta. Pra mim chega. cansei de ser humilhada.
- porra, calma. tu não pode entender que eu não estou legal.
- claro, eu sempre tenho que entender teu lado. mas e o meu quem entende?
- porra, mas por que tu não me falou logo onde tu tava antes de vir pra cá. Tu também pede, né?!
- era uma surpresa, seu troxa.
Ela tira da bolsa e joga sobre a mesa um livro do Mario Quintana.
- feliz 10 meses de namoro, seu imbecil!
Sai porta afora.
Ele dá um soco na mesa e derruba a cerveja que molha a mesa, o livro e suas calças.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Resumo da Ópera

Ele entrando em casa:
- (introspectivo)Olá.
- (eufórica)Olá. Chegando cedo?
- (decepcionado)Nunca é cedo demais.
- (esperançosa)Como foi o dia?
- (Enfático)Igual a todos os outros: depressivamente saudável.
- (Irônica)A mesma ladainha pré-modernista da poesia da vida cotidiana.
- (relutante)A mesma critica eufórica de uma realidade vazia e presumível.
- (decisiva)Grande parte desta resposta é parte da pergunta. Onde se chega com tantas lágrimas? Ou afoga-se no próprio lamurio ou inunda-se a própria visão.
- (fastigante)Ao que me mostras deve-se, então, abrir mão do questionamento inevitável que a existência nos aponta por um modelo de rotina imposta e formulada pra evitar que o pensamento ideológico interfira no andamento da massificação generalizada de sorrisos plastificados e intelectuais viciados em gramáticas celulares e paginas de Web. O instantâneo escondendo o...
E ela sacou o revolver 38 que escondia sob a mesa e disparou contra o peito dele e depois contra sua própria cabeça.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Puta merda!

29 de julho de 2008. o dia amanhece molhado. muito molhado. o dia anterior já havia terminado molhado. e o de hoje continua molhado. minhas calças, molhadas. meus all star, molhados. que saco! este seco, mas cheio.
acordei as 5h50min com sono, muito sono. fui dormir tarde. mas não posso reclamar. acordo cedo para fazer exame médico admissional. vou ser contratado, ter um emprego regular e ser um cidadão tributavel. o sonho de qualquer brasileiro. né?! saio de casa as 6h58min. chove muito. pretendia ir a pé. mas chove, muito. penso em pegar um onibus, mas a parada de onibus fica a cinco quadras de minha casa e o ambulatório onde farei o exame fica a duas paradas de distancia da parada onde pego o onibus. vou me molhar de qualquer jeito. então continuo com a ideia de ir a pé, assim economizo. são tempos dificeis. por enquanto. se me molhar depois me seco. mas o dinheiro continuará no meu bolso. seco.
chego 7h15min no ambulátorio. minha consulta esta marcada para as 7h30min. mas descubro que o antendimento é por ordem de chegada. sou o terceiro a chegar. o serviço publico de saude é democratico e justo, adora filas. afinal, pra que agendar horarios? pra que ordem? querem dismistificar a idéia de que tempo é dinheiro. sento e espero. chove lá fora. estou com sono, muito sono.
o médico chega as 8h. 8h! minha paciencia, minha esperança de um mundo melhor e minha simpatia já se foram a muito tempo por esta hora. odeio esperar. se marcares comigo as 7h30min, lá estarei neste horário. odeio esperar, portanto, não faço esperarem.
por ordem, sou atendido as 8h20min, mais de uma hora depois de chegar ao ambulátorio. a sala do médico fica no fim do corredor. me dirijo até ela em passos lentos. pra que pressa? entro e bufo um bom dia. sento, olho para a cara barbuda do médico, abro minha bolsa lentamente e retiro o Atestado de Saúdo Ocupacional enviado pelo meu contratante para ser preenchido pelo médico em questão. entrego-lhe e enquanto ele preenche algumas lacunas burocraticas, pergunto:
- tu é médico do municipio?
- sim.
- tu sabe por que eles nos dizem para chegar aqui as 7h30min se só vamos ser atendidos as 8h20min?
- hein?!
acho que ele não entendeu a pergunta. numa paciencia ironica, re-pergunto:
- tu sabe por que eles nos dizem para chegar aqui as 7h30min se só vamos ser atendidos as 8h20min?
- é porque as gurias da recepção demoram para preencher tua ficha.
olho para a ficha que foi preenchida pelas gurias da recepção que está sobre sua mesa onde consta meu nome, um "x" no quadrado que diz "Exame Admissional" e um numero 3 circulado no topo.
- essa ficha? - questiono instigado.
- humrrum.
certo. prefiro não continuar. pra que? agora quem pergunta é ele:
- qual vai ser tua função?
- educador.
- estás tomando algum medicamento?
- não.
- fez alguma operação recentemente?
- não.
ele se dá por satisfeito e levanta com o estetoscópio. neste instante observo minha ficha e vejo nela escrito: riscos ergonômicos. obviamente que pergunto:
- o que significa riscos ergonômicos?
- são os riscos de tua função.
mas é claro! como pude ser tão ingenuo? obviamente que era isso. e poderia ser outra coisa?
ele pede que eu inspire fundo e solte, inspire e solte, inspire e solte.
- pronto! - ele exclama.
senta sobre sua cadeira, pega meu Atestado de Saúde Ocupacional e assinala um "X" no quadrado que diz APTO.
- pronto? - eu pergunto.
- sim. entregue este papel no RH de teu contratante e bom trabalho.
- mas é só isso? e se eu menti sobre alguma coisa?
- daí será probelma teu.
problema meu? eu estou sendo contratado para ser educador, não médico. o médico é ele. então por que não fiz esse exame por e-mail? mais de uma hora de espera para que ele faça um breve e repugnate questionário e marque um "X" no quadrado que lhe for mais conveniente? e se eu tenho lepra? e se eu sou psicótico e pretendo ser educador para mutilar crianças inocentes? e se eu tenho um virus mortal que se propaga pelo ar no meu organismo? respiro fundo e penso que deve ser bom mamar na teta do governo municipal. deve ser mesmo. saio da sala em silencio. chego na rua e vejo que ainda chove, chove e chove. olho para o Atestado de Saude Ocupacional e vejo no carimbo Antonio Luiz Vinade Médico do Trabalho CREMERS 17843 e me pergunto por que não cursei medicina. prefiro não responder. ponho-me a caminhar na chuva. amanhã vai ser outro dia. e neste outro dia eu vou estar empregado e tributavel. e continuarei usando meus psicotrópicos e tudo aquilo que uso para deviar minha realidade. mas serei um bom educador . e chegarei na hora, sempre. ainda mais se estiver chovendo e a aula for de manhã. mas por hoje, caminho com sono muito sono...

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Um dia, frio, passagem e trem

O dia está frio. Uma tempestade pinta o horizonte de cinza. Amanda está vagando pelas ruas quase desertas da cidade. Não sabe o que procura, mas observa com atenção e poesia debaixo de cada desejo que lhe vem á cabeça. Depara-se com a entrada da estação de trem. Não há fumaça nem Maria, mas há ainda o mesmo objetivo: o horizonte. Pára por um instante observando a grande construção de pedra e ferro. Os pingos de chuva acariciam-lhe a pele das mãos. Entra. Pede uma passagem. Não sabe pra onde. Talvez um lugar onde não tenha ninguém. Ela precisava mesmo de uma passagem de trem. Pega o bilhete com o bilheteiro e vira-se para a porta de saída da estação. Não sabe há quem esperar, mas hesita por um instante antes de seguir para a plataforma de embarque. Sente um pingo de lagrima lhe umedecendo os olhos. Não está chorando. Está chovendo lá fora. Inspira o ar gelado que a cerca e decide. Se não vem ninguém, viaja de trem. Se ninguém responde, vai no das 11. Não sabe por que e nem pra onde. Mas prefere um lugar onde não tenha ninguém. Talvez seja isso que ele queira encontrar. Ninguém. Antes de sair de casa, deixara um bilhete. Não sabe pra quem. Talvez para si própria, quando for a outra que voltar de seu motivo para ter saído de casa naquele dia. Talvez voltasse para guardar uma passagem de trem na gaveta e esquecer ou para relembrar com saudade o tempo que passou. Dizia o bilhete: cuide bem das flores, não deixe morrer. São lindas ao amanhecer. Na estação ouve o som de um trem que parte para algum lugar. Nele, alguém está sentado na poltrona da janela e olha para fora sem saber o que vê. Enxerga alguns prédios, a Praça dos Brinquedos, o Ginásio Municipal, o Rio dos Sinos e muitos pingos que pingam do lado de fora do vidro. Em algum lugar de um dos prédios que ele enxerga alguém está sentado sobre a cama escrevendo em linhas de seda seu amiudiário. Mas nenhum deles sabe sobre o que está acontecendo com o outro que vive no mesmo momento. A vida acontece em todos os cantos e ao mesmo momento. E apenas uma parte disto é racional. A sua. O resto é suposição ou imaginação. Portanto a realidade é aquilo que imaginamos ou o que sabemos de fato? Então a realidade pode ser como se imagina. Se imaginar que no outro lado da linha férrea possa estar uma realidade mais poética, lá, realmente, pode estar uma realidade mais poética. Somos um amontoado de possibilidades fingindo que somos previsíveis. Amanda olha para a passagem em suas mãos que, úmidas, borraram a tinta que escrevia o destino da viajem. Sente um leve desespero pulsar-lhe no peito. Pode ser a sensação de sentir a morte. O sentimento de morte também pode ser o sentimento de, enfim, entender o que é a vida de fato. Suspira fundo e forte, de susto. Os olhos vidram no horizonte. Agora Amanda chora. Escorre-lhe uma silenciosa lágrima que vai beijar-lhe o canto direito da boca. Só lhe faltava a passagem, o trem, a coragem e um lugar pra ela viajar, sem ninguém. Ninguém.


* inspirado na música Cuide bem das Flores de Luciana Pestano

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Viajem

Os dois, enfim, realizavam um grande plano: conhecer Mariana, primeira cidade mineira, que completa 312 anos em 2008. Cidade de uma beleza arquitetônica e de uma riqueza cultural que validam qualquer tipo de sonho que se tenha de realizar uma grande viajem. Cidade da rota do ouro, abriga 52 mil habitantes que vivem basicamente da mineração e do turismo. Turismo. Esse era o nome do plano. Simplesmente turismo. Um ano inteiro de economias para o deleite de simplesmente dormir e caminhar, fotografar e beber, fumar um cigarro atrás do outro e, sempre, até a ponta. Deixar-se levar pelo simples fato de aproveitar a vida no seu ritmo mais natural, á toa, encarando as amenidades como singelas amenidades.
Partiram numa quinta feira. Avião que sai de Porto Alegre, faz escala em São Paulo e chega em Belo Horizonte. De lá, viajem de ônibus durante três horas. Era esse o único roteiro certo que tinham. O resto seria improviso e impulso. Desceriam na rodoviária de Mariana e, num acordo rápido, seguiriam para um dos lados que tivessem como opção. Apenas uma mochila e uma bolsa. Nada de barracas, lonas ou talheres. O negócio seria hotel e restaurante. Um ano de economias é um ano de economias. Não seria gastar, seria usufruir.
Chegaram logo depois do meio dia na rodoviária da cidade mineira. Desceram, inspiraram fundo e esboçaram um agradável sorriso. Chegaram. Pouco mais de 6 horas de viajem e chegaram. Pegaram as mochilas no bagageiro do ônibus e rumaram para o exterior da rodoviária. Quando se olharam, ambos ainda estavam sorrindo. Ainda não haviam trocado uma palavra desde que embarcaram no ônibus, em Belo Horizonte.
- então?
- pois é.
- pra lá?
- por que não ?
E para lá se puseram a caminhar.
No caminho, belas moças com seus vestidos soltos e seus sorrisos floreados. Nos bares de beira de rua, vê- se os velhos jogando cartas que se empilham entre copinhos de martelinhos, provavelmente com cachaça mineira, que os nativos chamam simplesmente de cachaça. Um cutuca o outro para mostrar a cena. Vibram em silêncio. Casarões, casebres, casas, cachorros, carroças, tudo, tudo é belo. Tudo é envolto de um ar perceptível apenas para aqueles que chegam pela primeira vez a uma cidade. Nenhuma rua, calçada, esquina, loja, bar ou supermercado é conhecido. Nada é familiar. Tudo é novo.
Passam pela praça da cidade e percebem que ela fica entre o Boteco da Praça, o Teatro Municipal e o Hotel Mariana.
- perfeito!
De que mais precisariam?
Deixaram suas malas no hotel, que tinha na recepção um senhor muito simpático que traz um gracioso sotaque de “mineirim do inteiô” na fala, empunharam maquina fotográfica, caderneta e caneta, maço de cigarros, deram um tapa de seda na realidade e rumaram para o boteco para beber alguma coisa. Se lá servissem, talvez até almoçassem.
O boteco era simples, com balcão de madeira, quatro ou cinco mesas e na parede uma coleção de garrafas de wuisky, conhaque e cachaça. A mineira. Sentaram no balcão e pediram algo pra beber.
- Mas cês são gaúcho, sô!
- sim.
- é.
O garçom se inclina para a mesa ao fundo, onde sentam três senhores de calça e camisa de manga curta, com um simpático sorriso.
- óiai, gente. Esses aqui são gaúcho!.
E a mesa por completo sorri. Levantam os copos e arredam cadeiras vazias para junto deles. É um convite. Os dois se olham só para que um tenha certeza do que o outro concorda. Acomodam-se aos brindes com os novos amigos.
- mas então cês são gaúcho, é?!
- isso mesmo.
- mas de onde, lá?
- são Leopoldo. É perto de Porto Alegre.
- mas, óia. E tão de visita aqui na cidade? Chegaram quando?
- agora a pouco. Deixamos as coisas aqui, no Hotel Mariana, e viemos pra beber alguma coisa.
- cês tão aqui no Mariana, é?
- cês tão bem. O hotel é bão demais.
- cês falaram com o Geninho ou com a Dona Maria?
- falamos com o senhor que estava na recepção.
- ah, mas então foi com o Geninho. É ele que é o dono do Hotel. Já faz 45 nos que ele ta ali.
- é. Hotel muito limpo.
E começaram a papear. As cervejas vinham assim como vinha assunto e risada naquela mesa tão animada. Parecia que se conheciam há muito. Quando as garrafas já cobriam metade da mesa, se abraçavam e faziam planos de passeios no dia seguinte aos pontos turísticos da cidade, almoço na casa do outro, festa com a ‘mulherada’ na casa noturna Vem Quente, Uai! e tudo mais que velhos amigos planejam. Os dois turistas se esbaldavam na plenitude de saber que seus planos estavam dando certo. Estava tudo perfeito. Estava.
Um dos dois, mais exaltado na bebida e nas palavras, sentiu liberdade demais para falar o que pensava. E liberdade demais é perigoso. Ainda mais nesta situação. Achou que era conveniente falar que “ eles é que eram os reis do país. Tanto que faziam questão de dar dinheiro pro interior do país pra fazer turismo e comer as mulheres deles”. Silêncio na mesa. Ninguém entendeu. Ele ainda sorrindo tentou explicar a infeliz piada.
- entenderam? Turismo, dinheiro, mulher, economia, putaria.
Eles sabiam o que era turismo e economia. E a ação sexual mais obscena também. Não era essa parte da piada que eles não estavam entendendo. O outro amigo gelou. Os demais fecharam a expressão facial.
- como assim?
- é. Como assim?
- hora gente, é uma piada. Eu só quis dizer que...
- a gente entendeu o que ocê quis dizer.
- mas nós não gostamos disso, não.
- cês tão loco?
Cês. O outro amigo havia sido incluso na confusão.
- não, gente. Olha bem. A gente tava falando de paulista e daí eu quis brincar que...
- paulista é paulista.
- é. Pode!
- mas mineirim...
- ah, capaz. Tu não vai levar a sério, né?! A gente veio aqui pra se divertir e vai de qualquer forma dar dinheiro pra vocês. E não é verdade?
O da ponta da mesa levantou-se de súbito e desferiu os punhos fechados, em soco, contra a mesa e ergueu-se sobre o piadista sem graça. Foi seguido pelos outros que empurraram suas cadeiras para longe da mesa.
- esmola? Cês acham que a gente precisa de esmola?
- se tu quer chamar de esmola, então chama – o humorista desastroso mantém a moral.
- o que? Como eu quero chamar? Cês vem aqui de vez em quando e acham que podem sair falando com a gente desse jeito?
- ih, cara...
- cês acham que só por que vocês são colonizados por um bando de europeu medroso que deixou as próprias terras, cês são grande coisa? Cês fizeram porra nenhuma pelo país, enquanto a gente lutou e continua lutando por liberdade. Cês acham que liberdade é ter emprego pra sustentar um bairrismo ultrapassado e intransigente quando se fala da revolução esfarrapada e fraudulenta que cês inventaram.
- peraí, agora tu pegou pesado, porra. Ta pensando o que? Nós somos um dos maiores pólos econômicos do país. Metade do desenvolvimento deste país vem do Sul. Nossa garra e nossa força são invejadas por cada um de vocês que morrem de dor de cotovelo por não serem a metade do que a gente é. O negócio de vocês é pão de queijo e cachaça. E mulher bonita pra gente comer.
O ofendido ergue o braço para o soco á queima roupa e o ofensivo segue imóvel. Os outros três esperam . O que estava sentado continua sentado. Ficam todos imóveis. Os olhos sangram, queimam de medo e raiva. O ambiente paralisa nas linhas de uma tensão assustadora. Todos estão receosos. Sabem que o primeiro soco será o inicio de uma explosão que não se sabe as conseqüências. Silêncio. No fundo, um relógio de parede faz ‘tic-tac’.
O dono do bar bate com força no balcão.
- já chega! A conta tá aqui. Dá vinte reais pra cada um de ocês.
A linha de tensão inclinasse para a harmonia. É hora de aproveitar essa oscilação. O que ainda estava sentado levanta lentamente.
- peraí, gente. Que história é essa? A gente está perdendo um tempo valioso. Essa é uma discussão que não cabe em mesa de bar, não é pra essas horas. Não vai a lugar nenhum. Não adianta. Ao mesmo que tenho força para defender uma idéia, um outro alguém tem também a mesma força para defender sua idéia contraria a minha. Ainda somos uma federação. Ainda respondemos por um nome apenas. Somos moradores de quartos diferentes dentro de uma mesma casa. Qual é? A gente veio pra cá com a idéia de se divertir e dividir esta diversão com quem nos receber. Assim como faremos, e fazemos, quando somos visitados. É nossa índole. É nossa identidade lá fora, no exterior. Deixemos que as coisas continuem como estavam antes daquele infeliz comentário. Estão aqui os 40 reais de nossa conta. Passem bem.
E saem. Os olhos ainda fitam-se até a porta, vermelhos, incisados.
Não houve mais clima. Na manhã seguinte puseram as mochilas ainda intactas nas costas e rumaram de volta à rodoviária. Pediram uma passagem para Belo Horizonte e de lá embarcaram no primeiro avião para o sul. Desceram em Florianópolis e lá ficaram até o último dia da viajem. Aproveitaram o mar, o sol e o friozinho que bate no cair da noite. E aproveitaram a noite. E muito. E vez por outra, quando estavam em algum restaurante ou Luau a beira mar, sorriam um sorriso malandro um para o outro. E deixavam gorjeta gorda em cada lugar que iam na capital catarinense.

terça-feira, 15 de julho de 2008

Confiança

Um relacionamento amoroso para dar certo tem que se basear na confiança. Isso é fato. Assim como uma sociedade financeira, um time de futebol e uma equipe de alpinismo. A confiança é o termômetro e tem que vir em primeiro lugar. Essa é a formula. E o amor é motivo, o ciúmes perfume e os sonhos conseqüência. Mas é preciso essencialmente que a confiança conduza a rotina.
Porém, para Bastião isso era difícil de entender. Ele até que já estava entendendo, afinal, seu relacionamento já passava de um ano. O tempo pode ser relativo, mas o amadurecimento é inevitável. Cada momento de vida é um momento de aprendizado. E há tempos Bastião estava aprendendo. O que lhe faltava era apenas coragem para transformar este aprendizado em realidade. E depois, as brigas já se tornavam corriqueiras e cada vez mais cruéis. Na última, por uma bobagem virtual, suas alianças, símbolos de um compromisso, foram esmagadas por palavras duras e ásperas. Falta de confiança. Estava sempre pensando que aconteceria com ele, que seria enganado, traído. E levava muito a sério este pensamento. Mas realmente já era hora de mudar, mudar este pensamento. Ele também não esperava ser assaltado e acabara de perder sua bicicleta para um gatuno. Ou seja: suas profecias não estavam bem ajustadas. Portanto, estava disposto a mudar. E a mudança seria naquela noite.
Era véspera de seu aniversário e o jogo do seu time de futebol passaria na televisão. Decidira, então, e em consenso com sua namorada, que assistiria ao jogo na companhia de amigos. Ela então decidiu que sairia a noite com uma amigas para beberem algo. Um barzinho e nada mais. Ele engasgou. Titubeou. Mas por que não? Era hora de se mostrar sábio. Mostrar que estava disposto a acreditar no amor. Concordou.
Ele teve uma ótima noite. Bebeu, deu boas risadas, mentiu e conformou-se com o empate no futebol. Vez por outra perdia-se em pensamentos e mexia no celular. Tinha vontade de ligar para ela. Mas balançava a cabeça no segundo seguinte e concordava que era besteira. Resistiu a noite toda. Foi uma diversão vigiada.
No dia seguinte, seu aniversário, encontrou-se com ela a tarde. Trocaram um forte abraço e ela disse:
- feliz aniversário!
- obrigado.
- não trouxe teu presente. Ficou em casa.
- sem problemas.
- e então? Já decidiu o que fazer hoje á noite?
- ainda não. Mas estou com uma forte tendência a fazer nada. Poderíamos sair pra jantar só nós dois. Que tal? Economizaríamos uma grana e passaríamos um momento só nosso. Seria uma comemoração por esta nova fase que estamos entrando em nosso relacionamento. Que tu acha?
- eu...ontem a noite eu conheci outro cara...

quinta-feira, 10 de julho de 2008

10 de julho

Amanda esta sentada na beira do abismo. Seus pés balançam no vazio e suas mãos tocam o nada. Seus olhos estão fixos no horizonte. Não pensa em nada, apenas existe. Está imóvel. Somente seus pés identificam a vida que há em seu corpo. Do mais, inércia. Sopra uma brisa suave e fria. O azul do céu não é mais tão azul tanto quanto para o mineirinho. Confunde-se com um pouco de cinza vermelho alaranjado poente. Amanda está triste. É só o que está. Mesmo que se para alguém pudesse, nada falaria. Não tem nada para falar. Apenas olhar. São 27 anos. Longos 27 anos. Tanta coisa já vivida, tanta dor já sentida. Mas a dor é como o amor, como o amanhecer: sempre uma velha novidade. Para cada nova dor uma velha moral e um recomeço tortuoso. Fica uma certa obrigatoriedade em rumar pra frente. É o que sempre escuta dos seus, que é preciso rumar em frente. Levantar a cabeça e seguir, de novo, como uma fênix, como uma poesia de amor grudada no poste de luz que aos poucos a chuva vai corroendo, mas que o tempo vai fixando cada vez mais fundo. No intimo. Uma dor não nos desacompanha uma vez que já esteja conosco. Recebe outros nomes, outros rótulos, outros motivos, mas é sempre a mesma dor. A velha novidade de sempre. Como esta que Amanda sente agora. Uma dor tão óbvia que mal se dá ao trabalho de molhar-se em lagrimas. Que mal deixa escapar dos dedos já calejados versos que a exprimam. Que não passa de uma nuvem perdida no imenso oceano de uma tempestade. Desta vez vem com mais força, talvez por já ter sido tão amena. É como uma tuberculose mal curada: Sela os lábios num silencio mórbido. Retira o brilho dos olhos tal como um eclipse esconde o brilho da lua. Vem de leve, em tom de magnitude, mas deixa uma escuridão que desvenda o abismo negro do universo de nossas almas solitárias. Torna-se difícil demais acreditar que tudo um dia vai acabar. Tal qual um amor arrebatador. E Amanda bem sabe disso. Sabe que para cada novo amor que aflora em sua poesia, outras tantas dores crescem como espinho a sangrar suas mãos. Sempre fora assim e assim parece que sempre será. Mas desta vez vai tomar uma decisão. O medo vem do desejo de não errar. E todo o erro é a sombra do acerto. Tomará uma decisão. Mesmo que em suma de nada adiante, desta vez Amanda vai ouvir os conselhos alheios: vai levantar a cabeça para, enfim, dar um passo a frente...

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Dona Rosinha

Ela já tem os olhos cansados. Cansados de ver a vida passar por 74 anos. Anda cabisbaixa, em passos lentos como a brisa que sopra e balança as palmeiras que adornam a praça onde trabalha. Não tem rumo, mas sabe para onde vai. Ou para onde precisa ir: um quarto.
Mora á uma hora e meia da praça. E é nessa hora e meia que sonha. Vê a cidade passar ligeira pela janela do ônibus e lembra do tempo em que o tempo não tinha pressa. Passava no ritmo rangente das rodas de carroças puxadas por bois no seu vilarejo natal ou no faiscar dos bondes puxados a energia elétrica de cabos que se estendiam ao longo dos caminhos da “cidade grande” que lhe abrigou. Ainda era moça quando trocou os bois pelo bonde. Veio com o sonho que permeia o sentimento de cada migrante que larga suas raízes para achar outras terras onde se fixar: futuro. Mas futuro todos tem. O que lhes falta, e talvez seja o que procuram sem saber, é dignidade. Deixou para traz tradições, histórias, amigos, legado.
Desembarcou na grande cidade com os olhos fixos no horizonte. A garra para começar uma vida era sentida no palavrear pobre, porém honesto. Dona de uma farta beleza, e por ser ainda uma criança, deixou-se envolver pelo conto de fadas do amor á primeira vista. Abriu o coração e as pernas. Não pensou em pensar, apenas em agir. A vida é emergente. Deu ouvidos e o que tinha de mais puro. Quando chegou tinha as mãos cheias de malas e o coração cheio de esperança. Esperança. Foi esse o nome que deu a primeira filha que teve com o moço que lhe prometeu dignidade, mas que lhe entregou apenas desamparo. Ao invés das malas, agora uma criança. É isso que tinha nos braços quando passou pela primeira vez pela praça. Era ainda moça. Gozava do primeiro ano após seu debutar, mas já tinha na lembrança a decepção que traz o desespero. Por mais motivos que houvessem, não se deixou abalar. Como que ainda querendo o perpetuar de sua casta, embalou a menina e a despachou pelo correio, com os olhos cheios de lagrima, para a família que ficara no ranger das carroças, com a promessa de que quando tudo melhorasse reverteria esta decisão. Foi a ultima vez que mãe e filha se tocaram nos braços.
De todas as promessas que ouvira desde então, a única que se consolidou foi a de que nada seria fácil. E nunca foi. Aceitava o que viesse como retorno financeiro. Não se prendia a amenidades sobre fragilidade feminina ou inexperiência. Aceitava o que fosse com o objetivo de ter sua determinação reconhecida e bem paga. Ou nem tanto. Dormiu sob marquises, viadutos e em depósitos de bebidas. Embrenhou-se onde podia e até onde não podia. O Brasil espelhava-se em um Brasil que não tinha imagem definida. Para quem quisesse ser, era preciso antes poder ser. E ela não podia. Depois de tentar o amor, a faxina, a indústria e a clandestinidade, rendeu-se ao prazer. Alheio. Em 1951, um ano e 8 meses após sua primeira incursão na terra da garoa, parou para descansar sob a sombra de uma das palmeiras da praça. Seus pertences vindos da migração já se haviam perdido, o corpo reclamava de cansaço e os sentidos rendiam-se a fome. Até pensava em voltar a sua terra e ter nos braços novamente sua Esperança. Precisava apenas de dinheiro para uma passagem quando ouviu o primeiro convite para a libertinagem paga. Resguardando ainda princípios puritanos, tornou rubra a face e esbugalhou os olhos. Deu dois passos na direção oposta ao transeunte cafajeste e parou. Olhou a sua volta e pensou em tudo o que já tinha passado até ali e em tudo o que ainda viria a passar. Na falta de uma definição mais coerente de dignidade retornou em meia volta de súbito e balbuciando o imperceptível aceitou. Enquanto o homem lambuzava-se na sua virilidade masculina, ela olhava o teto e, percorrendo as mãos nas suas costas suadas, desenhava os caminhos que pretendia percorrer após aquela ânsia. Como o suor os caminhos se evaporaram.
Hoje enquanto caminha em passos lentos de um lado ao outro da praça procurando quem pague trinta reais por um pouco de decepção sexual, ainda pensa em tudo o que poderia acontecido e no que não aconteceu. Percebe que o barraco onde mora não chega nem a sombra do que imaginava ter. Mantém o sonho, e um lugar no canto da sala, para a maquina de costura. Costurar ainda será sua redenção. Ou então será sua aposentadoria previdenciária. Tem na parede um retrato de Jesus Cristo. Não sabe bem porquê, mas num país de 95 por cento de católicos, nada mais natural do que ter. Mesmo que seja esta devoção que explique a posição de terceiro mundo desta nação. Mas não reclama ou pergunta. Por acomodação aceita e participa. Tem também uma foto emoldurada de uma criança que achou em uma lata de lixo. Não sabe quem é, mas a tem. Talvez por querer manter viva a imagem da Esperança que há 57 anos não vê mais.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Poesia

Os dois eram grandes amigos. Durante muito tempo trabalharam juntos e dividiram muitas horas de lazer. Um ensinou o outro a arte da poesia e da boemia. Varavam madrugadas desmembrando as duvidas de todo aquele que sofre por amor. E como sofriam. Mas eram felizes na sua infelicidade. E há muito não se viam. Mudaram de cidade e de emprego. Aos poucos os encontros diminuíram até se tornarem promessas de “temos que nos encontrar”. Mas naquela noite se encontrariam. E se encontraram.
Na casa de um deles, planejaram varar a madrugada nas longas e ainda duvidosas dores do amor. Quando a terceira garrafa de vinho se esvaziou, um disse ao outro.
- preciso te falar uma coisa.
- mais uma? Estamos falando sem parar a horas. Parecemos as amigas de minha namorada.
- é sobre isso mesmo.
- quê que é? Ta pegando uma das amigas dela?
- tua namorada ta te traindo, cara.
O que era álcool virou adrenalina.
- como assim? Que papo é esse?
- é serio, cara. Eu não sabia como, mas precisava te dizer.
- não, calma ai! Como assim traindo? Como tu sabe?
- porra, eu trabalho com ela. Vejo ela todo dia e sempre quando tu não está perto. Foi inevitável.
- putz, que caralho! Mas que desgraçada!
- vou abrir outra garrafa.
- como ela pôde? Cara, que absurdo! Será que nunca vai dar certo? Quanto mais se tenta menos se consegue. Parece um karma! Eu sabia, eu sabia. Sabia que tinha alguma coisa errada, mas sou tão possessivo que comecei a achar que era mesmo coisa da minha cabeça. Insegurança gratuita. Insegurança, o caralho! Mas que merda!
- toma aqui. Bebe um gole.
- não consigo acreditar. Essa merda toda de amor é uma grande merda, mesmo. Não sei por que não entendo esta formula muito simples: Amar é sofrer fisicamente. Ninguém martela um dedo por fadiga.
- relaxa, cara. Tu sempre te deu bem nos teus namoros. E sempre foi tu quem quis terminar.
- por isso mesmo. Estava sempre a procura do amor, sabendo que poderia ser uma longa busca. Mas sempre acreditei que valeria a pena. Por isso cada vez que a primavera teimava em abrir-se a qualquer estação, eu me deixava envolver. Trocava de amores como trocava de folhas a arvore. Mas não há encontro sem desencontro. Toda vez que me permitia ao novo, redimia-me a poesia da saudade. Via somente a perfeição na manhã que se findou e não esquentava mais o corpo no forte calor da tarde. E do amor que se tinha, era melancolia que brotava: uma saudade do passado que virou poesia de nunca mais. Cegava meus olhos e meus sentidos. Só voltava a enxergar quando voltava a amar. O novo. E assim num ciclo de dor e poesia.
- pois, então. Cansei de te ouvir falar que já estava afim de ficar solteiro. Que não agüentava mais esse namoro de dois anos consecutivos. Tu tava sem coragem. Ela só agilizou as coisas.
- tu ta falando como se fosse a venda de um carro. Cara, ela me traiu! Traição, entende? Isso é foda! E justamente agora que eu decidi não me deixar mais agir pela impulsividade, que tentaria construir um futuro. Chega desta historia de boemia, sofrimento, poesia. Já foi-se o tempo de parar na beira de um cálice e ficar lamuriando a existência. Enrolar-se em seda e adormecer numa realidade que não passa de fumaça. Será que essa solidão não vem justamente do medo de não tê-la? Assim como nos assusta tanto a felicidade pelo medo de perde-la? Eu sei como são as coisas deste lado. Já sei como é ficar sofrendo sem saber qual rumo seguir, se é que se quer de verdade um rumo. É tão mais fácil ficar só reclamando. Mas não quero mais isso. Estou afim de tentar. Eu já deixei um grande amor, e tu bem sabe, pra me arriscar deste lado da vida de boemia, sexo barato, drogas, impulsividade. Por que não posso agora largar tudo isso para viver a vida ao lado de um grande amor? Vou tentar. Já estava tentando. E foda-se o resto! Que caia o mundo. Não saio vivo desta grande merda mesmo. Apostei todas as minhas fichas nesta verdade e olha o meu premio: traição.
- nem sei o que te dizer.
- daí pergunto a Deus: escute amigo, se foi pra desfazer por que é que fez? Nem meu violão eu tenho mais. Meus amigos. Tantas noitadas eu neguei, mesmo querendo aceitar, para não me perder? Tantas vezes tu mesmo me ligou pra uma boa noitada de boemia e eu disse “não”? E agora isso. Que grande idiotice!
- cara...
- relaxa. Quer saber, sempre é tempo de aprender. O sofrimento sempre me ensinou. Por que agora seria diferente? A poesia ganha mais uma antologia. Vou mandar uma mensagem pra ela. Agora. Não vou nem ligar (digitando) pq? Não precisava ser dste jeito, mas como tu já esperava, adeus! E não adianta ligar de volta... Feito! Enviado.
- cara, é que...
- mais um cálice?
- claro, mas é que...
- vou por uma musica.
E pôs Jazz. O silencio entre eles foi natural. As lagrimas escorriam do sax, não dos olhos que olhavam incrédulos e incisivos o vazio da madrugada. Depois de um longo tempo, não resistiu.
- você sabe quem é o cara?
- hein?
- o cara. Você sabe quem é? Eu conheço?
- eu não quero mais vinho.
- eu conheço?
Os olhos se fitaram sérios e decisivos.
- sou eu.
O chão desapareceu. A mente escondeu-se sob uma névoa de impulsos. Os olhos não enxergavam, aqueciam.
- não sei como aconteceu. Foi o trabalho. A convivência. A gente foi conversando, achando pontos em comum e quando vimos já estávamos apaixonados um pelo outro. Por acreditar tanto no amor que tu sempre me ensinou, não tive como fugir. Ela me disse que conversaria contigo, mas como não fez, eu vim fazer. Olha, eu queria que tu soubesse...
- esquece.
O telefone toca. É ela. Ele atende apenas para dizer Adeus. Desliga o celular. Fita o outro na penumbra do pouco de noite que invade a sala.
- escuta. Nada foi planejado. Tu bem sabe que estas coisas acontecem. Eu sei que é foda...
- sabe?
Os olhos falaram mais no silêncio necessário.
Não se despediram. Não mais se falaram.
A chuva que começou a cair molhou tanto quem voltava pra casa como quem ficou na janela da sala vazia.
Hoje somente os versos relembram esta história.
Mas quem ainda lê poesia?

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Mineirinho de seda

- Tava sentado agorinha mesmo na ponta duma nuvem. E era tão branquinha a nuvem. Flutuava lentamente na imensidão deste oceano azul que é o céu. Azulzinho. Liso, liso. Liso. Tão claro. Lá de cima ficava olhando cá pra baixo, balançando as pernas e pensando quão longe a gente fica quando não esta com os pés no chão. E fica tudo tão pequeninho. A gente que se acha tão grande e mal passa do tamanho de nossos medos. Diminui tanto. Fica do tamanho duma estrela. Umas formiguinhas eufóricas correndo pra lá e pra cá, quase que sem rumo. Vão indo e voltando pela mesma rua e, que diacho! de ninguém se olhar. Se desviam pelo radar sensorial da rotina. Só vão desviando, desviando. Um mais rápido que o outro. Mas aqui de cima são tão lentos. Lentos, lentos, lentos. Parecem uma lagrima que escorre de mansinho quando a gente ta assistindo um espetáculo de teatro emocionante demais da conta. Dava pra ver, lá de cima, na nuvem, longe, longe, longe. Com a ponta do dedo eu podia tocar as montanhas mais distantes e contornar toda a margem da terra, indo devagarzinho, devagarzinho, no ritmo da rotação da própria terra, entrando em harmonia com o universo e fazendo parte de um todo individual. Tão bom. Assim, o tempo não existe. Passa um segundo por segundo. Minuto por minuto, hora por hora. E os dias não passam, existem. E tem uma brisa que sopra de mansinho, como que fazendo caricia no rosto da gente. Parece aqueles carinhos suaves que a gente recebe da mulher que ama. Os dedos tocam de leve a pele que se arrepia num calafrio gostoso demais. Esquenta o coração. Que nem essa brisa que toca. Lá em cima não se escuta nada, mas se ouve tudo. É um silencio que preenche cada espaçinho que fica entre os olhos e a razão. Aquilo que se vê se ouve. O entendimento é inevitável. Você se acostuma, aqui em baixo, a ter que ver tanto quanto escuta. Preferencialmente muito em muito pouco. O que quer dizer “o que os olhos não vêem o coração não sente”? Lá de cima, quando se mira os olhos pra frente, vê-se um manto azul que se estende longe, tão longe, que chega a curvar-se para caber mais um pouco na visão. E se sopra um vento mais forte que conduz a nuvem junto de si, o manto segue estendido que não se acaba mais. Ao mesmo que o que os ouvidos escutam é o ritmo suave do pulsar da vida do teu corpo e de tua alma. E nada mais precisa para que tudo o que está acontecendo seja suficiente. Tem-se assim, todas as perguntas e todas as respostas. Mas é incrível como você não se importa em tê-las...
- Ô, astronauta. Vai passar ou não?
- Péra, cara... Tu não ta na viajem?
- Já to quase de cara. Passa logo.
- Formigas Petulantes!
- (tragada)

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Encanamento Social

A mulher já estava cansada daquele pinga-pinga. O cano da pia da cozinha está pingando há um mês. Ligou para o encanador que chegou meia hora depois.
Toca a campanhinha.
- boa tarde.
- oi. Que bom que você chegou. Entra.
- com licença.
- claro, entra. Que frio, né?!
- muito.
Silencio.
- você veio de moto?
- sim.
- nossa, deve congelar as mãos neste vento.
- Pus as mãos no bolso.
- mas e a direção?
- com o motorista. Eu vim de moto táxi.
- ah, certo.
Silêncio.
- então?
- como?
- onde ta vazando?
- ah, sim. É na cozinha. Eu te mostro, vem.
- com licença.
- claro, me acompanha.
- cozinha bonita.
- obrigada. É sob medida. Veio do Rio de Janeiro.
- isso é mármore?
- é sim. Veio lá da serra. Caxias do Sul.
- tudo branquinho.
- pois, é. Dá um ar de limpinho.
- e quando tu faz fritura?
- tenho spray de Bom Ar.
- certo.
Silêncio
- é onde?
- ah, na pia. O cano. Ta pingando.
- deixa eu ver.
- me alcança as panelas.
- nossa. Inox?
- sim. Comprei em São Paulo.
- a senhora é viajada, hein?
- senhora não. Você.
- não, eu não. Já fui até Floripa, mas não passei.
- Não. Me chame de você.
- você.
Silêncio.
- ta rachado.
- o cano?
- deixar eu ver. É sim.
- é só trocar?
- acho que não.
- como assim?
- isso aqui parece pressão.
- pressão?
- é. A senhora mora no terceiro andar. A água que desce tem pressão. Tem alguma coisa que ta semi-bloqueando a saída dela e essa pressão ta exercendo força que rachou o cano.
- então é só trocar o cano?
- não. Tem que quebrar a parede.
-será?
- sem duvida. A senhora não pode ficar no meio termo. Tem que ter fazer alguma coisa.
- mas vai dar tanto trabalho.
- é, pois é. A mudança dá trabalho mesmo.
- e é exatamente isto que eu estou tentando evitar.
- mas não tem jeito. A senhora não poder fingir que o problema não existe.
- por que não? Eu já tenho tanto pra fazer no meu trabalho, na academia, nos afazeres do lar. E já tentei tanto mudar as coisas antes. Nunca deu em nada. Não sei se eu quero ter todo este trabalho pra mudar agora.
- a senhora tem todo direito de não querer encarar seus problemas...
- não. Eu quero encarar. E eu encaro. Todo dia venho aqui e passo um paninho na água que fica.
- isso não é encarar, é disfarçar. E seu problema pode afetar ao todo.
- então não é um problema meu. É do todo. Façamos uma reunião, um formulário, encaminhamentos e terceirizações. Se preciso, arranjemos culpados.
- não se arruma o todo sem arrumar-se o individual. Se a senhora fizer sua mudança, estará, também, mudando o todo.
- mas e o trabalho que vou ter? O problema do todo não é culpa minha.
- estamos falando na solução não no problema.
- e eu lá tenho condições de decidir a solução para o todo?
- a senhora esta se desvirtuando. Não precisa decidir pelo todo, decida-se por si e deixe que o todo participe desta decisão.
- e se for uma decisão errada?
- ficará mais fácil para corrigir. Se o problema não for no seu cano, vamos a vizinha de baixo ver se não é no dela.
- a vizinha? Mas eu nem a conheço.
- mais um motivo para mudar. A senhora pode estar iniciando uma grande causa.
- que causa? Ta louco? Desde quando arrumar um cano é uma grande causa?
- não é o objetivo em si, mas a coragem de tomar uma atitude.
Silêncio.
- obrigada. Se precisar de você eu ligo.
Desde então ela guarda as panelas de inox no armário suspenso da cozinha e agora colocou um balde embaixo do cano da pia. De hora em hora troca o balde. Usa pouco a torneira e faz doações para a cruz vermelha. A parede continua intacta. Mas ela passou a jogar truco nas quintas-feiras com a vizinha de baixo. E descobriu sorridente que a vizinha também tem um balde debaixo do cano da pia da cozinha.