quarta-feira, 27 de maio de 2009

O que é, é?

O melhor de viajar é não estar no lugar cotidiano. Ter ainda um horizonte a frente, mas não o mesmo. Ter um ainda um ar que o respira, mas não o mesmo ar, que por vezes, o sufoca, dado o cotidiano. É um acordar sempre a mesma hora, ás nove antes do meridiano, mas não para estar atrasado. É almoçar a mesma coxa de galinha. Mas não ao molho, desta vez frita. É ver o mesmo ato de encenar em teatro, mas desta vez, não com os mesmos atores já manjados, Lisboetas ou Parnanguaras, e não ter como publico parentes e goteiras desarranjadas. O bom de viajar é ver que, mesmo incredulamente, existe ainda mais para se ver.
O ruim de viajar é a volta. É quando tudo acaba. É quando abre-se a mesma porta de sempre, sob a mesma estação de sempre, ante a mesma mesmice de sempre. É perceber que nada muda por mais que se perdure a busca da mudança e que o máximo que se tem de modernidade é a edição nova dos sonhos alcoólicos de mesa de bar.
Daí o que fica é este olhar baixo, este pensar distante, este calar-se continuo, este deixar-se de lado para lembrar. Esta vontade de voltar e viver de viajem, por que a viajem não traz o cotidiano. Por que o cotidiano é o medo do desconhecido e viajar é ter o desconhecido pela mão como companhia.
Eis que, nestas noites cotidianas, fica esta pergunta: Mas e daí? Agora o que resta é debruçar-se sobre as teclas e lacrimejar nelas as horas antes da próxima viajem? É aninhar-se nas lãs das criticas inconformadas e nelas dormir o sono dos acomodados?
Sinceramente, eu sinto falta de uma São Leopoldo que não sei se um dia existiu. Uma São Leopoldo, berço de meu cotidiano, capaz de surpreender os olhos dos que lêem e os ouvidos dos que ouvem. Uma São Leopoldo capaz de fazer suprir esta necessidade do novo, do inexplorável, do que ainda há porvir.
Pessoalmente (e é a nas minhas vivencias pessoais que se baseia este blog e este texto), conheço uma porção de escritores, poetas, cronistas, músicos, artistas, atores, dançarinos que não fazem nada mais do que apenas sobreviver á uma corriqueira arte que não surpreende nem transcende. Nada mais do que mentes que iluminam apenas o necessário. Nada mais do que (pseudos) intelectuais que não fazem mais do que o necessário para serem o que são. De uma administração política, que governa a cidade, apenas com o trivial e o básico. Justifico esta última linha salientando que o governo anterior nada fez, portanto, o pouco que se faz agora já é muito. Mas este muito ainda é pouco, sabendo-se que ainda prevalecem as politicagens de sacanagem que nos acompanham desde o Império.
Após este ponto reacende-me a pergunta: Mas e daí? O que posso eu falar se ainda sou este mesmo de sempre, submerso em minhas esperanças, em minhas frustrações, que nunca passou de um Manifesto do Teatro Futurista e de um BAND AID na camisa? Como posso eu fazer qualquer critica se não passo de mais um alvo de minha própria critica?
Para quem abre um sorriso malicioso, repondo: não sei. Talvez...
O que sei é que ainda escrevo e escrevendo pergunto, desabafo, perturbo.
Quero e espero uma mudança, como espera a chuva o cactos do deserto.
Até lá bebo, fumo e viajo.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Amanda vai viajar...

Amanda retirou os fones de ouvido da mochila, colocou-os em tiara sobre os cabelos, respirou fundo, segurou o MP3 com a mão esquerda e pressionando o dedo polegar sobre o “Play” pôs-se a caminhar. Saía de casa, do quarto, da tela do computador, para distribuir pela cidade um pouco de seus pensamentos. A musica como companhia inspirava-a.
Trilhava oculta sob as sombras dos casarios antigos iluminados pela luz perola da lua e deixava-se revelar quando banhava-se da mesma luz. Nas caminhadas noturnos os olhos não precisam dirigir-se a frente, além dos pés. Podem fixar-se junto dos mesmos. E ambos andam lentos, calmos, sem a pressa diurna ou a necessidade objetiva dos otimistas. Caminhar a esmo, ao sabor do vento, é embalar-se ao som das harpas angelicais. Anjos. Amanda precisa caminhar. Amanda precisa pensar...

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Não sei...

Não sei.
As vezes fico assim,
olhos vidrados no branco
mente perdida no passado,
uma vontade de correr para teus braços
de beijar a tua boca
de morrer de amores no teu sexo.
Vontade de recomeçar,
esquecer, mudar,
transformar a poesia
em recado,
em bilhete de não esqueça o mercado.

Olhares noturnos,
remelas diurnas,
halito madrigal,
gordura vegetal.
Café sem açucar,
cabelo na boca,
brigas embreagadas,
sexo nas escadas.

Não sei.

Pode ser que seja alcool, THC, nostalgia,
nicotina ou pura sem vergonhice.
Não sei.
Mas as vezes fico assim...

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Cronica da Casa Assassinada - II

A Calopsita era para ele o que ele era para si próprio. Chamava-a de Alma. Era de uma cor radiante, num amarelo ouro envolto de uma leve borda marrom em cada pena. E cantava, ah!, como cantava. Iluminava a manhã num agudo aurora, em notas de Estrada do Sol, do Tom. Detalhe: solo no piano.
Moravam apenas o dois num apartamento de dois quartos, um para cada, e era felizes numa simplicidade única, coisa de pares singulares. Ela o acordava e ele a punha para dormir. Nunca iam pra cama, uma para cada, sem ele ler Vinicius de Moraes e Mario Quintana para ela. Então, antes do ultimo verso, ela suspirava e adormecia sobre suas penas, num sonho profundo. “... dorme, como dormirás um dia, na minha poesia, um sono sem fim.”Eram companhias completas. Conheciam-se de profundas indagações sobre amor, futuro e boemia, em noites regadas a vinho, só para ele, e muita, muita Bossa Nova. Um consolava o outro nos piores dilemas, nas mais profundas especulações sobre casamentos, um para cada, filhos e “o que eu me tornei?”. Separavam-se apenas quando ele saia para trabalhar como carteiro. Mas no mp3, que lhe serve em trilha sonora para o dia, tocava apenas a saudade “... não há tempo mais vazio do que longe do meu bem.”Mas acontece que um dia o dia amanheceu em silêncio.
Ele acordou de susto e correu para o quarto dela. Vazio. Levou as mãos á cabeça num gesto de desespero e passou a procurar pela casa. Banheiro, cozinha, quarto, Alma!, sala, guarda roupa, Alma! Alma!. Parou de joelho no meio da sala, aos prantos, entregue ao choro compulsivo da perda.
Naquele dia não foi trabalhar. Não abriu a janela, não saiu de casa, não parou de beber, não desligou o aparelho de som. “Tem pena de mim. Houve só meus ais. Eu não posso mais. Tem pena de mim.”.Os dias nunca mais foram os mesmos. Entregava cartas de dia e saia para beber a noite, num gesto inconsciente de busca por sua alma. Nos dias de folga, zanzava pelas ruas com os olhos buscando o nada, o vazio, um horizonte.

Era sábado de manhã. Uma manhã cinza, sem cor, querendo nublar. Ele percorria o centro da cidade de cabeça baixa, cigarro esfumaçando entre os dedos, passos perdidos. De repente, rasgando o cinza chumbo dos céus, um raio quente de sol veio aquecer-lhe a face. Foi quando ouviu em assovio: “...é de manhã...” . Petrificou. Era ela. A Estrada do Sol. Era ela. A Alma. Abriu um sorriso e saiu á procura do assobio. Vinha de uma agropecuária. Emocionado na busca pelo som, grudou os olhos numa parede repleta de gaiolas com as mais diversas espécies e cores de aves. Não teve dúvidas e apontou o dedo para a gaiola certa gritando: Alma!
Ajoelhou ante a gaiola e, eufórico, cantava a musica do assobio. As mãos abraçavam a gaiola. O dono do recinto, espantado com tal atitude, aproximou-se oferecendo ajuda.
De repente sentiu por dentro uma raiva, um desespero dos dias de solidão e angustia. Dias em que preferia a morte. E agora encontra sua Alma presa como um produto á venda dentro de uma gaiola. Explodiu verbalmente sobre o senhor:
- Pois quem precisará de ajuda é o senhor, que aceita mercadoria roubada em seu recinto. Que espécie de espelunca é essa que faz parte de um crime organizado, contrabandeando animais silvestres? Que espécie de ser humano é o senhor que contribui para o desespero alheio? Pois saiba que eu encontrei com a dor, eu provei o sabor salgado da lagrima, eu furei meus olhos nos copos com gelo porque gente como o senhor roubou o que mais me era meu. O senhor roubou minha Alma. Pareceu-lhe justo pensar em seus lucros contínuos e exorbitantes antes de pensar no que realmente há para se importar na vida. Vendo tal atitude, fica explicito o por que do definhamento da espécie humana, consumindo seus umbigos como hienas eufóricas e famintas. Lambuzando-se com o próprio sangue na estúpida sensação de ser sangue alheio. É deprimente o seu espírito putrefato.
- Senhor, o que é isto?
- Isto, meu caro senhor, é um acerto de contas com sua consciência. Exijo que o senhor devolva minha Calopsita e responda pelos seus atos sujos e mesquinhos. E que disponha-se a encarar-se de frente a cada manhã na frente do espelho, antes mesmo de lavar esta cara imunda e vestir-se de uma mascara cruel e impessoal.
- Meu senhor, deve haver um engano...
- Engano é o que o senhor faz com sua própria vida, ou melhor, com sua própria morte. Achas que serás assim imponente quando estiveres caminhando sobre a ponte pênsil que divide o inferno do céu? Ou achas que o peso de tua consciência não vai desequilibrá-lo? Se pensas que serás como todos os outros, pense que ...
- Meu senhor, há um engano. Isto não é uma Calopsita. É uma Caturrita.
Ele estalou os olhos para o senhor da loja. Ficaram em silêncio por instantes que permearam nas leis de Einstein por anos. Baixou a cabeça e virou-se em silêncio para perder-se porta afora.
Passou a escutar Papas da Língua, fez do quarto vago uma sala de ginástica e agora tem um peixinho dourado num aquário no canto esquerdo da sala.

domingo, 10 de maio de 2009

Carta à Julieta

domingo, 10 de maio de 2009

querida julieta,
escrevo-lhe para dizer que mudei.
parti de onde estava e ocupo agora um novo lugar em mim.
se já não sei para onde quero ir com certeza, pelo menos tenho a certeza de onde não quero mais estar.
as coisas que surgem no ar após uma ventania por vezes pousam novamente de onde partiram, por vezes pairam ainda perdidas a procura de um novo pouso. era assim que me achava, pairando sobre minha rotina sem saber quais eram as horas do dia, quais eram as lagrimas da noite. não era eventual confundir lagrimas com estrelas ou insonia com poesia. perambular pela cidade vazia pode ser inspirador. tão inspirador quanto perder-se de olhos vendados na beira de um abismo rochoso. acalentar-se no ébrio das companhias de copos erguidos pode ser confortavel. tão confortavel quanto aninhar-se numa jangada perdida em alto mar.
antes que te indagues e me pergunte, devo advertir-te que não tenho todas as respostas e que tão pouco faço questão de ser exemplo para alguem ou para alguma nova cronica. apenas procuro desfazer-me do ócio que vem me acompanhando tem algum tempo. eu que sempre fui sonhadora, ando pensando sériamente em voltar a domir. é que quando se dorme, se dá a oportunidade de despertar. e creio que despertar seja um bom motivo para ver as coisas acontecerem. estou cansada de ficar cerrada em mim.
é por isso que lhe escrevo. para lhe dizer que mudei.
e tambem para cumprimentar-lhe e dizer que após tanto tempo muda, muito me agrada confidenciar-te estas linhas.
espero que estejas bem.
e beba aquele bom vinho na beira do Senna por nós.

com amor e carinho

Amanda