sexta-feira, 25 de abril de 2008


Quanto tempo demoram as horas para passar quando se esta perdido no tempo?
Houve-me, há algum momento, uma leve inspiração. Algo qual a brisa morena que nos acompanha na volta do Theatro.
Mas esvaiu-se junto á nicotina, que desprendi de meus pensamentos como esferas que se perdem pelo ar.
Sempre em algum momento isso acontece. Sou impotente “literosexualmente”.
Mas provém da inconsciência. Minha inconsciência é a razão de minha consciência. Revelo-me –quando– um certo covarde, daqueles que desenham a guerra mas escondem-se atrás das folhas em branco. Sinto hibernar em mim a realidade. Desvirtuo o coletivo e transformo-o em angustia para minha poesia. O que poderia faltar? Gozo do amor da família e com ela produzo possibilidades de felicidade –e leia-se felicidade com o estas de histórias de comédia-romântica de Hollyood. Amo tal morena, que por ela, mesmo que fale a consciência, acreditaria que realmente existe aquele futuro de comercial de margarina – sem sal e com Omega 4. Ideologia que nada! Arruma-se dinheiro de forma sistemática e abundante. Por que o não padrão? Por que, então, estas noites infinitas, dissolvidas junto as pedras de gelo nas duas doses de Wuisk?
Ah, que lembrança me trazes, Amanda.
Sinto ainda teu sorriso tímido que me sorria canto’d boca, mesmo sem recordar com clareza de teu rosto. Cada passo teu junto ao meu, deixaram um rastro imóvel nas areias claras de meu passado. Mas não confundas, Amanda. Eu não te amo! Só há uma que amo assim, cor de carne. Mas a ti, se bem quiseres, posso dar o amor literário de minha existência, de minha intenção, de minha poesia. Quando lembro de ti, ligo-te ao suave tocar de uma Valsa de Paris. Toujours la mme chose. Reconheço-te pelo ar morno que nos acariciava a beira do Rio Parnaíba. Por Capiba, que no seu sorriso de bronze, sem saber, sorria a composição, de sua autoria, da Valsa que bailamos secretamente. Posso oferecer-te minha palavra, meus pensamentos, minha dor, minha solidão. Serei teu sempre que a lua iluminar nossos olhares. Sempre que raiar uma luz de amanhecer no horizonte que nos guia, serei teu. Mas não me peça para ser somente teu, pois não sou nem mesmo meu somente. E minha boca em silêncio e de olhos fechados é somente de minha morena.
As paredes estão amarelas. Duas cortinas azuis fixam-se em sentido as margens da basculante que dá para o nada. Fecha-se em silêncio a porta cor de amarelo cansado. Repintamos as paredes de nossas lembranças, mas sempre esquecemos das portas que nos levam á novas possibilidades. Para o banheiro uma porta aberta e do banheiro o som do sexo do vizinho. Paga para se fuder! Eu me fodo sem pagar. Tem uma camisa vermelha pendurada no canto do quarto, tem uma mala preta escorada no amarelo da parede. Um buraco negro no dia de minha insônia.
Não gosto de forró. Mas não fui por não gostar. Não fui porque -entenda- o dia estava nublado. Quero só meu cigarro só. E duas doses de boemia.
Vão-se as horas não se sabe por quanto tempo.
Só mesmo meu relógio novo pra saber...

Recife - parte I




Vejo a estrada estender-se sobre nosso horizonte.
Úmida, encharcada, pela chuva que cai incessantemente.
Perco-me pela janela lacrimejada,
Encolho-me do frio que vem na carona,
E esqueço para lembrar Recife.
A palavra intensidade toma forma e sabor.
As palavras buscam o corredor dos dedos,
Mas esbarram na brisa da emoção.
Sente-se, simplesmente.
Não existem formas pra expressar o que eu sinto.
Uma sucessão de memórias emotivas
Constituem um mosaico que, pouco a pouco,
Vai tecendo esta poesia
E explicando o que nunca deveria ser explicado.
Senta-se na rua do Hospício,
Que assim se chama
Talvez pela loucura das bocas que não se calam
E sorriem, e cantam, e beijam, tanto,
Mas tanto,
Que mesmo o beijo confunde-se com a fala
E canta o prosear.
E nesta rua, do Hospício,
Entrego-me ao lado humano do ser,
E esqueço de tudo o que já foi dito.
Já não sou mais,
Sou parte.
A rua arruma-se entre bancas de verdureiros,
Pratos de macaxeira e
Copos americanos de cerveja.
Evanildo e seus pileques descontraídos
Durante o expediente e um ou outro prato de bodera.
Comum sorriso incompleto mas não menos brilhante,
Esquece que te conhece a cada hora que passa,
Mas em nenhum instante deixa de fazer
Com que tu te sintas em casa.
Roberto, com suas aventuras de consultor de entretenimento,
Um nome galanteador para a profissão de
Vendedor de apólices de um clube aquático,
Mas com uma sabedoria que justifica seu abandono de São Paulo
E do material, para sagrar-se livre.
Dalva e carioca, enquanto um canta a outra acaricia e encanta.
Licinio com suas declarações de amor alcoolizadas,
Seus abraços apertados e suas promessas
De hospedagem e “me ligue de onde estiver”.
É bairro de Boa Vista, ao centro da cidade,
Com suas vielas de favelas,
Seus casarões cheios de histórias,
Suas histórias ouvidas em cada casarão.
A praça Cecília Meireles, reserva à escritora
Uma escrivaninha e meia luz
Para seu eterno escrever em bronze
Ao lado do chafariz em estilo renascentista
Que jorra água ininterruptamente,
Trazendo sensação de chuva
Para o quarto do Hotel Americano,
Que fica em frente a praça.
Ardia o sol lá fora
E lá dentro eu dormia ao som da chuva.
As calçadas espremem-se e os carros dividem a vez na rua
Com quem passa.
Todos vão.

Recife - parte II


Estamos entre Recife Novo e Recife antigo.
Quando atravessa-se a ponte sobre o Rio Capibariba,
Estás em Recife Antigo.
E logo á esquerda,
Surge – suspiro –
O Theatro Santa Isabel.
Do século XVI,
Impera onipotente,
Com sua imensa cortina vermelha de veludo,
Seu lustre principal de uma delicadeza
Que tu decepciona-te quando o vedes
Apagar lentamente para o inicio do espetáculo que fostes para assistir.
Na ocasião, deleitei-me á assistir Elyanna Caldas,
Tocando, ao piano, valsas e choros inéditos de Capiba,
O mestre do frevo e das marchinhas de carnaval.
E não tão somente pela magnitude do espetáculo que assisti,
Com arranjo refinadíssimo, uma direção musical impecável,
Levando-nos á um passeio pelas esferas que se perdem pelo ar,
Na introdução,
Levanta, repentinamente da platéia e sobe ao palco
Para destilar sua impressão do espetáculo que viria,
Ariano Suassuna, assim, em Ariano e Suassuna.
Revelei-me um apaixonado pela inusitado.
Ao final,
Apertei-lhe a mão e lembro-me que disse
“Foi um prazer”.
Não havia mais nada a dizer se não
Revelar o meu completo gozo pela situação.
Voltei a pé para o hotel,
Não sem antes esticar a noite de despedida
Na rua do Hospício,
Bebericando e batucando, fiel aos belos moldes
Das saudosas noitadas boemias
Que as atuais manhãs capitalistas
Arranjaram por findar.
E é desta forma que despeço-me de Recife,
Com alguns telefones á mais na agenda,
Alguns amigos á mais para lembrar,
E a certeza de que se não há de fato um
Lugar definitivo para minha alma descansar,
Então, ei de um dia voltar, e me cansar ainda mais
Nas vielas e histórias de Recife.
Porquanto, sigo.
Nós e a chuva,
Que ainda cai,
Como uma lagrima de saudade
Sobre quem fica e quem vai...

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Formosa


Formosa, não faz assim.
Carinho não é ruim.
Mulher que nega não sabe, não,
Tem alguma coisa de menos no seu coração.
Sarava, Vinicius.
Homenagens a parte,
Formosa fica a 80 km de Brasília.
É habitada por cerca de 30 mil habitantes.
Cidadezinha pacata,
Quase deserta a partir das 11 horas da noite.
Chegamos na tal entre meia noite e 1 hora.
Desértica.
Nada de novo onde nada de mais pode acontecer.
Mais um suco roubado na distração da recepção e
Um bate-papo que duraria horas e não diria praticamente nada.
A sensação é de deslocamento social.
Dorme-se pouco, entende-se menos ainda
E argumenta-se sempre em favor de si,
Quase nunca da verdade.
Mas também, a verdade é uma moça tímida
Que anda escondendo-se atrás dos véus da situação.
Do mais, o canal 21 é o Canal do Boi,
faltam frios no café da manhã
E a mecânica do Seu Ceará não abre aos sábados pela manhã...

Primavera do Leste




Primavera do Leste,
Cidade, obviamente, ao Leste de Mato Grosso,
Começou para mim a partir da 1 hora da manhã,
Quando chegamos ao Hotel Condor,
Próximo a rodoviária.
Necessitando, pela sucessão de fatores,
De um descanso,
Abstive-me do sono
E pus-me a pensar.
Em um quarto 3x4,
A sensação claustrofóbica
Arremessou-me para o universo escuro
Da madrugada que nos cobria.
Na rodoviária encontraria algo para beber,
Comer e pensar.
Sentei-me antes do balcão
Para observar, antes de mais nada,
Quem vinha e quem partia.
Uma rodoviária é um
Destrito Social Federal,
Onde desembarcam e embarcam
Todos os sotaques de uma federação.
Numa rodoviária não importa quem és,
Mas quem somos.
Lembrei do Cidade.
Tamanha muvuca cultural, tirou-me a paciência
E a contemplação.
No balcão, abasteci-me de líquidos e sólidos
E rumei de volta ao hotel.
A janela aberta para coqueiros que me espiavam
Amenizava a sensação de sardinha.
Bebi e solucei como se fosse um naufrago.
Nem mesmo os códigos de Da Vinci
Decifrariam tantas perguntas.
E eles o ali estavam.
Enrolei-me em seda,
Esquentei-me em brasa alheia e
Pus-me, enfim, a pensar e perguntar.
Mas para cada pergunta uma resposta
E não são elas que me atraem mais.
Deixei-me levar, então,
Pela paisagem da porta entre aberta.
Após, pela torneira da pia do banheiro que pingava,
Pela descarga que se esvaia,
Pelo ventilador que rodava,
Pelo barulho longínquo do mar
Que não existia e
Por fim, pela minha própria respiração.
Adormeci aninhado em mim,
Com os olhos na lua,
E os ouvidos na rua.
Das perguntas, mais respostas
Aumentando minha insatisfação.
e, de repente, me deu uma saudade de casa..

Cuia




Cuiabá?
hein?!
se estive não lembro.
lembro-me de acordar ás seis horas da manhã
depois de ter ido dormir as quatro da manhã,
seguir até o teatro,
fazer uma seção,
sair para almoçar,
voltar ao teatro,
fazer duas seções,
guardar o cenário,
carregar a camionete,
me stressar,
tomar um banho inútil
e viajar até Primavera do Leste.
Cuiabá foi uma insônia.
nada de tão fantástico,
quanto beber o suco do frigobar do quarto do hotel
devolver a caixinha vazia e sair sem pagar.
a cidade morena cresce entre viadutos e fazendas.
continua quente e abafada.
mas ainda conserva o Restaurante do Barba,
na avenida Marechal Deodoro,
próximo a rodoviária,
restaurante popular
com um atendimento humano
e sempre bons descontos.
para dormir, Hotel Brasil,
em frente a rodoviária.
vai discreto e direto ao assunto.
fiquei sabendo que se eu voltar
realizo um sonho.
mas quero continuar dormindo?

Quase Cuiabá - parte I




Definições não são possíveis a esta altura do tempo.
O que seria então?
Vivo exatamente entre a saudade de casa
E a inspiração para uma rebeldia “on the road”.

Campo Grande passou delicado.
O frio que nos acompanhou,
Deixou uma marca de casaco
E vinho.
Assuntos introspectivos
Travados ao silêncio da madrugada.
Despedir-se cedo demais da cama do hotel,
Traduziu em fatos o que diz Jorge Drexler:
“Nada se perde. Tudo se transforma”.
A próxima cidade é Cuiaba, a Capital Morena.
Uma viajem de 700 km que deveria durar
Em torno de 10 horas – guardadas as proporções técnicas automotivas-
Transformou-se numa odisséia de conhecimento e superação.
Por volta de 15h30, de uma viajem que começou ás 8h da manhã,
A falta do Diesel, que alimenta o motor de carbono,
Desencadeou uma sucessão de acontecimentos memoráveis.
A conclusão, é que chegamos ás 4 horas da manhã na cama do hotel.
Sentir-se a deriva na beira da estrada
É um paradoxo de solidão interessante.
Ao mesmo tempo que brota uma sensação de abandono e impotência,
Descobre-se que os rastros do caminhar da humanidade,
São passos de solidariedade e companheirismo.
E sem escolha de classe ou cor.

parte II




Ivan, fazendeiro bem sucedido, ao término de sua colheita de soja e no inicio dos preparativos de uma pescaria, mostrou-me que nada vale mais a pena do que preparar-se para morrer.
Do alto de sua F-250, deixou transparecer sua necessidade de cuidar e aninhar aos seus.
Carregava junto ao terço e a imagem de nossa senhora, a foto da esposa e dos três filhos, Gabriel, 19 anos, Jéssica, 17 e Felipe, 10 anos. Quando questionado por mim sobre o futuro de sua fazenda, foi incisivo e determinante: está com os dias contados. O filho mais velho já cursa a faculdade de Direito e planeja trabalho na Capital de Goiás. A menina já se prepara para o curso de Sociologia e o menor ainda brinca com seu vide-game, mas não prefere conhecer o processo de cultivo da terra. Ivan, e a esposa, já tem sua poupança de aposentadoria, iniciada quando do nascimento do terceiro e último filho. Ficará com a casa da chácara e, de lá, pretende ver a vida passar mansa como as águas do rio onde quer continuar pescando. A previsão desta realidade é de dez anos, quando o filho mais velho já estiver atuando na área de advocacia e os outros dois já estiverem na faculdade.
Percorreu comigo por mais de 10 km na busca por Diesel. Agradeci e desejei-lhe boa pescaria. Ele me olhou no olho e me chamou pelo nome: “Tiago, sigam devagar. É ainda muita estrada até o destino de vocês”. Acenei positivamente com a cabeça e o vi desaparecer entre a poeira da estrada.
Ainda sem solução para o nosso carro, ofereci-me para mais uma carona.
Desta vez quem parou foi Seu Ari. Ainda prontificou-se para dar uma olhada no problema, mas resolveu certificar-se apenas da carona, pois era mecânico de tratores, não de “Camionetas importadas”. Subimos no seu Ford 1975, já vencido pelo cansaço e pelas estradas que cruzou. Podia-se supor que era azul por algumas marcas de cor que resistiam em meio á ferrugem da cabine. Por dentro, pude reconhecer os pedais pela posição dos pés do motorista, porque no demais, eram apenas fios e pedaços de lata que se desprendiam do conjunto como numa ação desesperada por aposentadoria de seus serviços ou reforma geral. Ganharam a segunda reivindicação. No dia seguinte aquele, Seu Ari o levaria sua camionete para chapeação. Ele que ainda vestia a roupa de seu trabalho diário, misturando sua cor cuia da pele com o óleo proveniente dos motores revisados á pouco. E nestes trajes ainda passaria no mercado para pão e leite. Mas o mais interessante da carona foi ouvir sua história de vida. Nascido em Goiânia, aos 27 anos partira para a promissora cidade de Rondonópolis, cidade onde vive até hoje. Aprendeu com a fome a mexer em tratores e fez-se vencer onde podia. Quando adquiriu a camionete – a mesma ainda - tratou de ser seu próprio chefe. E assim o foi. Criou profissão, renda e 2 filhos. Uma moça que casou-se e agora mora em Salvador e um “menino” que mora na casa da Tia na cidade natal de seu pai, onde cursa engenharia mecânica. Seu Ari era simples tal qual apaixonar-se, mas em nenhum momento de nossa conversa de 20 km, reclamou de alguma coisa. O tempo todo mostrou-se satisfeito e, principalmente, responsável por sua situação. Quando chegamos até a oficina autorizada que ele indicou para o nosso socorro, quis lhe oferecer uma ajuda de custo pelo tempo despendido e pela quilometragem rodada pelo seu, quase recauchutado, Ford 1975. Olhou-me com certeza e disse: “Esqueça. Se cada um de nós fizer a sua parte, já está bom”. Apertou-me a mão com tamanha satisfação, que nem me importei de carregar, a partir de então, um pouco da cor de sua profissão.

Cuiabá - parte III


Da despedida com Seu Ari, entrei no carro com Alexandro, mecânico de motores a Diesel. Durante os 20 km que percorremos de volta ao carro empenhado á beira da estrada, contou-me sobre a economia da cidade. Descreveu-me detalhadamente a forma de distribuição de empregos, cargos, preços, motivos e propinas que movimentavam a plantação de soja, milho, algodão e venda de automóveis em Rondonópolis. Contou-me sobre como o algodão merece tratamento de maquinas e não de pessoas para garantir sua pureza e como as associações estavam divididas em quem compra o algodão para trata-lo, quem compra para fazer a linha e quem compra para fazer o tecido. E de como a cidade abriu áreas de emprego para o restante das famílias dos peões que vinham para trabalhar nas fazendas. Lojas de tecido e costura estão em expansão. Contou-me como o mercado de camionetas estava banalizando, chegando ao ponto de qualquer peão – não minimizando sua importância dentro do processo econômico do país – ter uma Hilux, camionete da Chevrolet, que custa em torno, 70 mil reais. Foram os financiamentos a perder de vista que deixaram muitos cegos. Disse-me como agora as fazendas investem nos seus peões, oferecendo-lhes, inclusive, salas de ginástica, alimentação balanceada, piscinas e acompanhamento psicológico, tudo para que a fazenda alcance o ISO e possa transferir este investimento para o preço do grão. E de como o governador do estado de Goiás praticamente domina a compra dos grãos, para revendê-los a preços quadruplicados as grandes indústrias alimentícias, dando apoio e financiamentos para os agricultores. Contou-me ainda, sobre um plano que tem para comprar umas terras e arrenda-las, garantindo assim sua aposentadoria.
Resolvido o problema com o carro, desejou-nos sorte e partiu, levando boa quantia em dinheiro para justificar seu empenho.
Dali 25 km para frente, paramos por mais 6 horas para concerto do alternador. Mas daí, cansado e enfadado, enrolei-me em seda e degustei a tão esperada cerveja Cristal, acompanhado de um estacionamento repleto de caminhões e seus caminhoneiros e algumas profissionais do sexo que apimentavam os sonhos de quem lhes abria as portas. Uma imagem de uma realidade que não se escreve, vive-se. O belo! Tênue membrana que separa a poesia da carne crua.
Mas o que fica de mais reflexivo, foi a dimensão que deu Ivan ao percurso da vida, demonstrando que há uma pressa de chegar-mos onde nem sabemos onde, aconselhando, assim como com o carro, calma e contemplação. É como não perceber a janela abeta enquanto o tempo não para. Seu Ari mostrou-se de uma sensibilidade que contradiz o conceito pejorativo do mecânico de tratores. Se cada um fizer sua parte, já está bom, é tão simples que talvez seja esta a justificativa para a falta de entendimento desta fórmula, uma vez que o ser humano prefere ocupar-se com o que há de mais complicado. Talvez para esconder de si mesmo o quão desprezível pode ser. A simplicidade é a grande resposta. Já para Alexandre, o mundo é onde a gente vive. Se tudo aquilo é tudo o que ele precisa para saber de sua filosofia, quem há de convencê-lo de que está errado? Se é que está.
Em Cuiabá, deitamos as quatro e levantamos as seis. Mas o cansaço já passou. Talvez se antes tivéssemos chego ao hotel, minhas lembranças provavelmente seriam apenas de seda e cevada. Perdeu-se, sim, tempo de viajem, de dinheiro, de saco e de marasmo. Mas ganhou-se o que há de mais satisfatório na vida: ela própria. Nada se perde, tudo se transforma.
E por não com suaves definições?

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Um protesto!


Campo Grande - MS

20:35


é a terceira vez que realizo esta viajem. e como não poderia deixar de ser, reconheci como "meus" alguns espaços e rituais que faço em cada lugar que nos hospedamos. em Recife, não posso deixar de ir tomar um café na padaria da praça Cecilia Meireles. Em natal não parto sem antes visitar a Cia dos Sucos, ao lado da Feira Permente de Artesanato. Vale lembrar que fica de fronte ao mar. em Campo Grande, capital sul mato-grossense, local de nossa estadia atual, tem um butequim que fica na frente do hotel onde estamos. a particuliaridade dele, além das mesas de sinuca e do forró em alto e bom som no dvd, é que servem a cerveja Cristal - situa-se como Skol- em copos estilo americano em cadeiras e mesas de plastico do outro lado da rua de um "inferninho". é uma sensação única de zelo e reconhecimento á cultura local. sinto-me um nativo. observo, bebo e quando, atiro-me em uma conversa com alguem que a mereça. mesmo tendo a chuva nos perseguidos desde o sabado a tarde, entendeu que deveria me acompanhar também aqui em Campo Grande. e truxe junto um friozinho de wuisk consigo. mas ritual é ritual e eu devo isto para com a cidade. acontece que a dona - gentil - do butequim resolveu que não teriam mais cervejas Cristal para serem servidas em copos estilo americanos em cadeiras e mesinhas de plastico do outro lado da rua de um "inferninho". cancelou-se o contrato com a "cerveja nativa", devido á uma permuta por freezers da Skol -situa-se como Crital. e isso, é claro, entende-se como exclusividade. querem tirar minha chance de escolher? eu tenho algum direito? e meu ritual? e o meu momento único? o que nos resta é um mundo de momentos uniformes e vazios?

entendo por que a chuva acompanhou-me.

desde de sempre soubera que eu teria esta decepção. acompanhou-me para confortar-me. logo nesta viajem! uma viajem de realização de planos e atestados de dignidade. atordoado e angustiado pela sensação, aceitei uma Brahma e tentei me convencer. adoro e recomendo Brahma. mas não aqui. volto para o quarto do hotel, triste e desconsolado.

abstenho-me até do resto deste.

a cidade continua confusa, a viajem continua confusa e meu futuro continua confuso.

e acho que a chuva vai continuar até dia trinta deste mês...

Enfim...

Como é perceptivel, a ordem dos três primeiros posts está invertida...


Novo Hamburgo, 12 de abril de 2008. 14:38
Agora somos a estrada. Agora a estrada nos é. Desenhar uma paisagem diferente na janela a cada instante é surreal. Nesse momento nos distinguimos das flores. Não somos mais fixos. Somos mutáveis, móveis, itinerantes, mambembes, nômades. Somos uma historia. Uma viajem. O Brasil!
O carro é movido a sonhos, planos. Os olhares perdem-se no horizonte cor de chumbo que estende-se sobre nós. Seis realidades dividindo a mesma realidade. Para cada um de nós uma trilha sonora. Para todos, o som dos pneus no asfalto, o vento que urra ao pé do ouvido como um primata. As cores confundem-se em borrões pincelados nas laterais da estrada. Intervenção surrealista. Os sonhos confundem-se entre o sono e a insônia. A estrada é longa. O destino está sempre na próxima folha do calendário e sempre na última folha que se desprende para o abismo do passado. Resta seguir com alguns sonhos na mochila e um pouco de Chico Buarque em doses homeopáticas servido em folhas de seda.
Olho pela janela e a paisagem transmuta-se entre o verde e o cinza.
O horizonte pinta-se ao fundo em tons de chumbo e cobre. Alguns passam, outros ficam. Inevitável silêncio.
Confesso que o medo também é inevitável.
E a segurança está em algum lugar na mala lá atrás...

Chuva


Chove.
E chove tanto que a paisagem da janela borrou-se de água e agora é apenas uma mancha cinza, lacrimejada pelo vento. Não se vê nada além do que se imagina.
Sono.
Para cada um uma proposta.
Um sonho.
A estrada segue molhada.
Por vezes ouve-se alguma voz, mas em geral, são os pingos de chuva que compõem este silêncio.
Consulto os demais e acendo um cigarro. Está uma bela manhã de outono na serra catarinense. Pela fresta aberta da janela por onde escapa a fumaça, vê-se belos casarões em estilo Português, com grandes e numerosas portas, todas elas pintadas em tinta descascada pela história. Verdes campos ensopados preenchem o horizonte ao norte. A Oeste, a BR 163 estende-se em cinza. Varam as horas e os pensamentos. Está é uma daquelas boas oportunidades para pensar. Ou simplesmente deixar a mente vagar, perdendo-se no bailar trêmulos dos pingos de chuva no vidro da janela, ainda entreaberta. Não há mais fumaça, restam apenas pensamentos e planos de um futuro não muito longe que se soltam pela paisagem...

domingo, 13 de abril de 2008

Mundo Novo - MS

Percorreram as horas mais de trezentos quilometros até este Mundo Novo, ou, novo mundo, se contarem as experiências e as motivaçãos que despencaram sobre minha razão nestes últimos dois dias.
A descoberta a cada curva de um mundo diferente, onde a realidade não tem nome e tão pouco se preocupa em ser real, transmitem a minha insônia uma poesia á mais.
Das trintas horas que percorremos pela estrada, 32 delas foram regadas a muita chuva e paisagens úmidas. A introspecção natural de uma longa viajem de carro é atenuada pela falta de virilidade que tráz o sol, com seus raios onipotentes e quentes. A claridade torna a visão mais viciada e comoda, o que incomoda menos e distrai mais. Mas quando a paisagem pinta-se de cinza e tudo o que fica são pingos de chuvas dependurando-se nos vidros das janelas afim de aproveitarem a carona, mergulhar no fundo do abismo de nossos planos é um salto sem paraquedas da mesa para o copo. Ou do isqueiro para a seda.
A cada quilometro que surge no horizonte, surge também mais uma dúzia de dúvidas: será mesmo isso? Será esta a saída? E busco eu uma saída ou o que quero é, enfim, encontrar uma entrada? Já não estarei eu metade da entrada a dentro e não percebo? Quando será tarde demais para se errar? Existe um tempo certo para errar?
Desenho o mapa brasileiro com curvas de interrogação.
No mais, é pergunta pra boi dormir.
Não há amor sem dor, assim como não há vida sem morte.
Das conclusões cuido depois, quando já estiverem concluídas.
Resta dizer que a paisagem, mesmo molhada, da serra Catarinense e Paranaense é linda e o que talvez poucoas pessoas percebam, é que o pôr-do-sol dos dias chuvosos é de rara beleza.
"Sonhei que o fogo gelou, sonhei que a neve fervia e de sonhar o impossivel, ah, sonhei que tu me queria"...referencia mais que saldosa a Chico Buarque.
e boa noite...