quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Stricapuntinga

Ele está sentado na mesa do boteco olhando para o copo cheio de cerveja como se esperasse uma resposta. Ela chega, sela um beijo na boca dele e senta-se ao seu lado erguendo a mão direita com o dedo indicador em riste pedindo um outro copo.
Ele começa:
- demorou.
- não marcamos horário certo. nos veríamos no fim da tarde. Ainda é fim de tarde.
- tu sai do trabalho as 6h. agora são 7h15. tu demorou.
- demorei para o que?
O garçom traz o copo.
- pra me encontrar.
- não demorei, não. Marcamos o encontro conforme a posição do sol e o sol esta ainda na posição que marcamos. Portanto, não demorei.
- tu não leva 1 hora e 15 minutos pra sair do trabalho e chegar até aqui.
- e quem disse que eu viria do trabalho direto pra cá?
- achei que tu viria.
- achar não é ter certeza.
- onde tu foi?
- fui fazer umas coisas que eu precisava.
- que coisas? Cagar, mijar, coçar o cu? Que coisas? Seja mais especifica.
- ih, qual é? não sabia que esse encontro era pra ser um interrogatório.
- por que interrogatório? To fazendo perguntas simples para respostas simples. Ou tu não sabe o que responder?
- ah, tá. É vestibular, então. Tu devia ter me passado a matéria que cairia seria relações rotineiras de uma mulher independente.
- deixa de ser engraçadinha. Tu é minha namorada, tenho todo o direito de saber onde tu estava.
- opa, agora chegamos no ponto certo. pede pro Anderson um dicionário e procure “namorada”. Acho que tu não vai achar como definição “prestar contas de todos os passos dados sem seu namorado”.
- deixa de ser troxa. Agora que tu tá num empreguinho novo, acha que pode me tratar assim?
- tratar como? Tu ta viajando demais para um encontro pra beber uma cerveja. Se tu tivesse m pouco mais de coisas pra fazer durante o dia, não ia ter tempo pra ficar pensando merda.
- ah, agora o problema sou eu por que não tenho um emprego igual ao teu, né?! Deve estar me achando um inútil, é isso?
- que inútil? Tu é que fica com esse papo sem conteúdo e quer me aporrinhar.
- ah, claro. Eu estou sempre te aporrinhando. Agora que tu tem emprego, dinheiro e tudo mais, o pobretão desempregado aqui fica te aporrinhando. Quem sabe tu sai com um dos teus coleguinhas intelectuais?
- garanto que eles não viriam com este papinho...
- claro, com dinheiro e carro do ano quem precisa de papinho? É só ir num lugar bem caro, pagar todas as bebidas, te colocar num carro zero quilometro e te levar para um bom motel que não precisa nem de papo, tu vai logo abrindo as pernas e ta tudo certo.
- tu ta começando a me ofender.
- quem ta me ofendendo é tu. Fica jogando na minha cara que eu não tenho emprego e nem grana.
- quem disse isso? Eu só queria te encontrar.
- é, mas não pode responder onde estava antes de vir pra cá e por que demorou tanto.
- eu já te falei que não tava fazendo nada.
- opa, agora há pouco me disse que tava fazendo umas coisas pra ti e agora me diz que é nada. Fala sério.
- porra, onde tu quer chegar?
- na verdade!
- e que verdade? Eu já disse a verdade.
- como assim? Me pergunta qual verdade mas me diz que já disse a verdade? Se tu não sabe qual a verdade então como pôde me dize-la?
- dá pra parar com isso, por favor!?
- então fala.
- falar o que?
- o que tu tem pra me falar.
- mas eu não tenho nada pra falar, que saco!
- tu nunca tem nada pra falar. Tá sempre guardando segredos e sendo misteriosa.
- mas que merda! Qual que é a tua? A gente veio se encontrar pra tomar uma cerveja, ficar numa boa. Por que tu tem sempre que estragar tudo. Quer saber, vai a merda! Eu vou embora.
Tenta levantar e ele a segura pelo braço.
- espera. Desculpe. Eu não to legal.
- eu sei que tu não ta legal, mas também não precisa descontar em mim.
- ta, desculpe. Vamos tomar mais uma cerveja?
- mais uma não, uma. Ainda não bebi nenhuma.
- então bebe agora.
Ele levanta o braço direito e pede mais uma cerveja ao garçom.
- como foi no trabalho?
- normal. Umas burocracias e alguns e-mails. Como sempre.
O garçom traz a cerveja.
- tu pode pagar? Estou sem grana.
Ela suspira.
- claro.
- quer saber, esquece. – para o garçom – anota essa pra mim que eu pago amanhã de tarde.
- não precisa, eu tenho grana.
- se é pra ficar suspirando pra pagar uma merda de uma cerveja, não precisa. Só por que eu estou sem grana?
- não tem nada a ver. Eu só suspirei porque eu não queria que tu tivesse nessa. Ta sempre sem grana, mas não se mexe pra arranjar um emprego.
- emprego? que emprego? Onde é que eu posso trabalhar? Quer que eu fique trancado num comércio de merda pra vender um monte de eletrodoméstico em 500 prestações pra um bando de consumista insaciável idiota e ganhar 400 pilas por mês? To fora. Sou muito mais viver do que me render a esse sistema.
- que sistema? É só um emprego. Pode até ser só temporário. Mas pelo menos vai te dar grana pra gente poder fazer umas coisas a mais por nós dois. Melhorar nossa relação.
- ah, agora sim. Agora chegamos a verdade. Nossa relação ta uma merda porque eu não tenho grana, né?!
- não tem nada a ver.
- nunca tem nada a ver. Tu sempre demora, mas depois fala. Fica fazendo nesse joguinho de adolescente. Fala logo! ta uma merda porque eu não tenho emprego e nem grana e o que tu quer é um cara com emprego e grana.
- não, espera...
- espera o caralho! Quer saber, tu merece um desses playboizinhos de merda que ganham mesadinha do papai e tem um empreguinho de fachada nos negócios da família. Tem um carrinho que o papai deu quando passou no vestibular pra direito diurno, faz quatro cadeiras e te leva pra jantar no Scheneider. Depois te leva para o Mediterrâneo, te fode de qualquer jeito e sem nenhum sentimento e te descarta como se tu fosse só mais uma conseqüência que o dinheiro pode trazer. E tu ainda fica ligando pra ele cheia de amores no dia seguinte e ele nem te atende. Quero ver um cara desses te amar como eu te amo, sem dinheiro mas com muito sentimento. Com amor de verdade, como um poeta, como um amante.
- pelo amor de Deus, não é nada disso.
- nunca é nada disso! É sempre viajem da minha cabeça. é sempre eu que estou errado. A tua intuição até pode valer, mas a minha não. Qual é? Acaba logo com esta porra de relacionamento se tu ta cansada.
- tu tem razão. Eu estou cansada sim.
- viu!? Tu não tem coragem de dizer. eu tenho que ficar te apertando pra que tu fale alguma coisa. Eu sabia.
- não, não sabia não. Eu não to cansada da nossa relação, eu estou cansada é destas tuas paranóias. Pra mim chega. tchau.
Ela se levanta.
- onde tu vai?
- eu vou embora. Pra mim chega.
- então esse é o fim?
- não sei. Mas por agora é.
- viu como tu não me quer mais?
- acho que quem não me quer mais é tudo. Olha a forma como tu me agrediu verbalmente. Me tratou como uma puta. Pra mim chega. cansei de ser humilhada.
- porra, calma. tu não pode entender que eu não estou legal.
- claro, eu sempre tenho que entender teu lado. mas e o meu quem entende?
- porra, mas por que tu não me falou logo onde tu tava antes de vir pra cá. Tu também pede, né?!
- era uma surpresa, seu troxa.
Ela tira da bolsa e joga sobre a mesa um livro do Mario Quintana.
- feliz 10 meses de namoro, seu imbecil!
Sai porta afora.
Ele dá um soco na mesa e derruba a cerveja que molha a mesa, o livro e suas calças.

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