segunda-feira, 30 de junho de 2008

Poesia

Os dois eram grandes amigos. Durante muito tempo trabalharam juntos e dividiram muitas horas de lazer. Um ensinou o outro a arte da poesia e da boemia. Varavam madrugadas desmembrando as duvidas de todo aquele que sofre por amor. E como sofriam. Mas eram felizes na sua infelicidade. E há muito não se viam. Mudaram de cidade e de emprego. Aos poucos os encontros diminuíram até se tornarem promessas de “temos que nos encontrar”. Mas naquela noite se encontrariam. E se encontraram.
Na casa de um deles, planejaram varar a madrugada nas longas e ainda duvidosas dores do amor. Quando a terceira garrafa de vinho se esvaziou, um disse ao outro.
- preciso te falar uma coisa.
- mais uma? Estamos falando sem parar a horas. Parecemos as amigas de minha namorada.
- é sobre isso mesmo.
- quê que é? Ta pegando uma das amigas dela?
- tua namorada ta te traindo, cara.
O que era álcool virou adrenalina.
- como assim? Que papo é esse?
- é serio, cara. Eu não sabia como, mas precisava te dizer.
- não, calma ai! Como assim traindo? Como tu sabe?
- porra, eu trabalho com ela. Vejo ela todo dia e sempre quando tu não está perto. Foi inevitável.
- putz, que caralho! Mas que desgraçada!
- vou abrir outra garrafa.
- como ela pôde? Cara, que absurdo! Será que nunca vai dar certo? Quanto mais se tenta menos se consegue. Parece um karma! Eu sabia, eu sabia. Sabia que tinha alguma coisa errada, mas sou tão possessivo que comecei a achar que era mesmo coisa da minha cabeça. Insegurança gratuita. Insegurança, o caralho! Mas que merda!
- toma aqui. Bebe um gole.
- não consigo acreditar. Essa merda toda de amor é uma grande merda, mesmo. Não sei por que não entendo esta formula muito simples: Amar é sofrer fisicamente. Ninguém martela um dedo por fadiga.
- relaxa, cara. Tu sempre te deu bem nos teus namoros. E sempre foi tu quem quis terminar.
- por isso mesmo. Estava sempre a procura do amor, sabendo que poderia ser uma longa busca. Mas sempre acreditei que valeria a pena. Por isso cada vez que a primavera teimava em abrir-se a qualquer estação, eu me deixava envolver. Trocava de amores como trocava de folhas a arvore. Mas não há encontro sem desencontro. Toda vez que me permitia ao novo, redimia-me a poesia da saudade. Via somente a perfeição na manhã que se findou e não esquentava mais o corpo no forte calor da tarde. E do amor que se tinha, era melancolia que brotava: uma saudade do passado que virou poesia de nunca mais. Cegava meus olhos e meus sentidos. Só voltava a enxergar quando voltava a amar. O novo. E assim num ciclo de dor e poesia.
- pois, então. Cansei de te ouvir falar que já estava afim de ficar solteiro. Que não agüentava mais esse namoro de dois anos consecutivos. Tu tava sem coragem. Ela só agilizou as coisas.
- tu ta falando como se fosse a venda de um carro. Cara, ela me traiu! Traição, entende? Isso é foda! E justamente agora que eu decidi não me deixar mais agir pela impulsividade, que tentaria construir um futuro. Chega desta historia de boemia, sofrimento, poesia. Já foi-se o tempo de parar na beira de um cálice e ficar lamuriando a existência. Enrolar-se em seda e adormecer numa realidade que não passa de fumaça. Será que essa solidão não vem justamente do medo de não tê-la? Assim como nos assusta tanto a felicidade pelo medo de perde-la? Eu sei como são as coisas deste lado. Já sei como é ficar sofrendo sem saber qual rumo seguir, se é que se quer de verdade um rumo. É tão mais fácil ficar só reclamando. Mas não quero mais isso. Estou afim de tentar. Eu já deixei um grande amor, e tu bem sabe, pra me arriscar deste lado da vida de boemia, sexo barato, drogas, impulsividade. Por que não posso agora largar tudo isso para viver a vida ao lado de um grande amor? Vou tentar. Já estava tentando. E foda-se o resto! Que caia o mundo. Não saio vivo desta grande merda mesmo. Apostei todas as minhas fichas nesta verdade e olha o meu premio: traição.
- nem sei o que te dizer.
- daí pergunto a Deus: escute amigo, se foi pra desfazer por que é que fez? Nem meu violão eu tenho mais. Meus amigos. Tantas noitadas eu neguei, mesmo querendo aceitar, para não me perder? Tantas vezes tu mesmo me ligou pra uma boa noitada de boemia e eu disse “não”? E agora isso. Que grande idiotice!
- cara...
- relaxa. Quer saber, sempre é tempo de aprender. O sofrimento sempre me ensinou. Por que agora seria diferente? A poesia ganha mais uma antologia. Vou mandar uma mensagem pra ela. Agora. Não vou nem ligar (digitando) pq? Não precisava ser dste jeito, mas como tu já esperava, adeus! E não adianta ligar de volta... Feito! Enviado.
- cara, é que...
- mais um cálice?
- claro, mas é que...
- vou por uma musica.
E pôs Jazz. O silencio entre eles foi natural. As lagrimas escorriam do sax, não dos olhos que olhavam incrédulos e incisivos o vazio da madrugada. Depois de um longo tempo, não resistiu.
- você sabe quem é o cara?
- hein?
- o cara. Você sabe quem é? Eu conheço?
- eu não quero mais vinho.
- eu conheço?
Os olhos se fitaram sérios e decisivos.
- sou eu.
O chão desapareceu. A mente escondeu-se sob uma névoa de impulsos. Os olhos não enxergavam, aqueciam.
- não sei como aconteceu. Foi o trabalho. A convivência. A gente foi conversando, achando pontos em comum e quando vimos já estávamos apaixonados um pelo outro. Por acreditar tanto no amor que tu sempre me ensinou, não tive como fugir. Ela me disse que conversaria contigo, mas como não fez, eu vim fazer. Olha, eu queria que tu soubesse...
- esquece.
O telefone toca. É ela. Ele atende apenas para dizer Adeus. Desliga o celular. Fita o outro na penumbra do pouco de noite que invade a sala.
- escuta. Nada foi planejado. Tu bem sabe que estas coisas acontecem. Eu sei que é foda...
- sabe?
Os olhos falaram mais no silêncio necessário.
Não se despediram. Não mais se falaram.
A chuva que começou a cair molhou tanto quem voltava pra casa como quem ficou na janela da sala vazia.
Hoje somente os versos relembram esta história.
Mas quem ainda lê poesia?

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Mineirinho de seda

- Tava sentado agorinha mesmo na ponta duma nuvem. E era tão branquinha a nuvem. Flutuava lentamente na imensidão deste oceano azul que é o céu. Azulzinho. Liso, liso. Liso. Tão claro. Lá de cima ficava olhando cá pra baixo, balançando as pernas e pensando quão longe a gente fica quando não esta com os pés no chão. E fica tudo tão pequeninho. A gente que se acha tão grande e mal passa do tamanho de nossos medos. Diminui tanto. Fica do tamanho duma estrela. Umas formiguinhas eufóricas correndo pra lá e pra cá, quase que sem rumo. Vão indo e voltando pela mesma rua e, que diacho! de ninguém se olhar. Se desviam pelo radar sensorial da rotina. Só vão desviando, desviando. Um mais rápido que o outro. Mas aqui de cima são tão lentos. Lentos, lentos, lentos. Parecem uma lagrima que escorre de mansinho quando a gente ta assistindo um espetáculo de teatro emocionante demais da conta. Dava pra ver, lá de cima, na nuvem, longe, longe, longe. Com a ponta do dedo eu podia tocar as montanhas mais distantes e contornar toda a margem da terra, indo devagarzinho, devagarzinho, no ritmo da rotação da própria terra, entrando em harmonia com o universo e fazendo parte de um todo individual. Tão bom. Assim, o tempo não existe. Passa um segundo por segundo. Minuto por minuto, hora por hora. E os dias não passam, existem. E tem uma brisa que sopra de mansinho, como que fazendo caricia no rosto da gente. Parece aqueles carinhos suaves que a gente recebe da mulher que ama. Os dedos tocam de leve a pele que se arrepia num calafrio gostoso demais. Esquenta o coração. Que nem essa brisa que toca. Lá em cima não se escuta nada, mas se ouve tudo. É um silencio que preenche cada espaçinho que fica entre os olhos e a razão. Aquilo que se vê se ouve. O entendimento é inevitável. Você se acostuma, aqui em baixo, a ter que ver tanto quanto escuta. Preferencialmente muito em muito pouco. O que quer dizer “o que os olhos não vêem o coração não sente”? Lá de cima, quando se mira os olhos pra frente, vê-se um manto azul que se estende longe, tão longe, que chega a curvar-se para caber mais um pouco na visão. E se sopra um vento mais forte que conduz a nuvem junto de si, o manto segue estendido que não se acaba mais. Ao mesmo que o que os ouvidos escutam é o ritmo suave do pulsar da vida do teu corpo e de tua alma. E nada mais precisa para que tudo o que está acontecendo seja suficiente. Tem-se assim, todas as perguntas e todas as respostas. Mas é incrível como você não se importa em tê-las...
- Ô, astronauta. Vai passar ou não?
- Péra, cara... Tu não ta na viajem?
- Já to quase de cara. Passa logo.
- Formigas Petulantes!
- (tragada)

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Encanamento Social

A mulher já estava cansada daquele pinga-pinga. O cano da pia da cozinha está pingando há um mês. Ligou para o encanador que chegou meia hora depois.
Toca a campanhinha.
- boa tarde.
- oi. Que bom que você chegou. Entra.
- com licença.
- claro, entra. Que frio, né?!
- muito.
Silencio.
- você veio de moto?
- sim.
- nossa, deve congelar as mãos neste vento.
- Pus as mãos no bolso.
- mas e a direção?
- com o motorista. Eu vim de moto táxi.
- ah, certo.
Silêncio.
- então?
- como?
- onde ta vazando?
- ah, sim. É na cozinha. Eu te mostro, vem.
- com licença.
- claro, me acompanha.
- cozinha bonita.
- obrigada. É sob medida. Veio do Rio de Janeiro.
- isso é mármore?
- é sim. Veio lá da serra. Caxias do Sul.
- tudo branquinho.
- pois, é. Dá um ar de limpinho.
- e quando tu faz fritura?
- tenho spray de Bom Ar.
- certo.
Silêncio
- é onde?
- ah, na pia. O cano. Ta pingando.
- deixa eu ver.
- me alcança as panelas.
- nossa. Inox?
- sim. Comprei em São Paulo.
- a senhora é viajada, hein?
- senhora não. Você.
- não, eu não. Já fui até Floripa, mas não passei.
- Não. Me chame de você.
- você.
Silêncio.
- ta rachado.
- o cano?
- deixar eu ver. É sim.
- é só trocar?
- acho que não.
- como assim?
- isso aqui parece pressão.
- pressão?
- é. A senhora mora no terceiro andar. A água que desce tem pressão. Tem alguma coisa que ta semi-bloqueando a saída dela e essa pressão ta exercendo força que rachou o cano.
- então é só trocar o cano?
- não. Tem que quebrar a parede.
-será?
- sem duvida. A senhora não pode ficar no meio termo. Tem que ter fazer alguma coisa.
- mas vai dar tanto trabalho.
- é, pois é. A mudança dá trabalho mesmo.
- e é exatamente isto que eu estou tentando evitar.
- mas não tem jeito. A senhora não poder fingir que o problema não existe.
- por que não? Eu já tenho tanto pra fazer no meu trabalho, na academia, nos afazeres do lar. E já tentei tanto mudar as coisas antes. Nunca deu em nada. Não sei se eu quero ter todo este trabalho pra mudar agora.
- a senhora tem todo direito de não querer encarar seus problemas...
- não. Eu quero encarar. E eu encaro. Todo dia venho aqui e passo um paninho na água que fica.
- isso não é encarar, é disfarçar. E seu problema pode afetar ao todo.
- então não é um problema meu. É do todo. Façamos uma reunião, um formulário, encaminhamentos e terceirizações. Se preciso, arranjemos culpados.
- não se arruma o todo sem arrumar-se o individual. Se a senhora fizer sua mudança, estará, também, mudando o todo.
- mas e o trabalho que vou ter? O problema do todo não é culpa minha.
- estamos falando na solução não no problema.
- e eu lá tenho condições de decidir a solução para o todo?
- a senhora esta se desvirtuando. Não precisa decidir pelo todo, decida-se por si e deixe que o todo participe desta decisão.
- e se for uma decisão errada?
- ficará mais fácil para corrigir. Se o problema não for no seu cano, vamos a vizinha de baixo ver se não é no dela.
- a vizinha? Mas eu nem a conheço.
- mais um motivo para mudar. A senhora pode estar iniciando uma grande causa.
- que causa? Ta louco? Desde quando arrumar um cano é uma grande causa?
- não é o objetivo em si, mas a coragem de tomar uma atitude.
Silêncio.
- obrigada. Se precisar de você eu ligo.
Desde então ela guarda as panelas de inox no armário suspenso da cozinha e agora colocou um balde embaixo do cano da pia. De hora em hora troca o balde. Usa pouco a torneira e faz doações para a cruz vermelha. A parede continua intacta. Mas ela passou a jogar truco nas quintas-feiras com a vizinha de baixo. E descobriu sorridente que a vizinha também tem um balde debaixo do cano da pia da cozinha.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Tentação

Quatro anos de namoro e ele se deixou vencer pelo pecado da traição. Há algum tempo mantinha uma relação de amor e poesia com uma antiga namorada. Por impulso, marcaram e se encontraram na casa dele. E naquela noite rolou. Acordou com remorso na manhã seguinte. Não devia ter feito aquilo. Depois de muito tempo de ciúmes, sua relação estava tranqüila. Estavam melhor do que nunca. Confiavam um no outro. Não podia esconder este deslize. Precisava ser honesto com ela e consigo próprio. Deixaria uma evidência, algo como uma marca de batom que ficara na fronha do travesseiro, para que quando sua namorada chegasse de noite a visse. Seria o mais correto. Seria a verdade. O mundo precisa de mais verdade.
Passou o dia em pânico. Não se animou a nada. Passou deitado. Comeu um pacote inteiro de pão fatiado com doce de leite. De noite o quarto ainda estava desarrumado. E a fronha com a marca de batom em evidência.
Quando ela chegou, ele a recebeu na porta do apartamento, deu-lhe um breve beijo e rumou para o banheiro enquanto ela entrava no quarto, com sempre fazia, para largar sua bolsa. Ele a esperava entre a porta do banheiro e a porta do quarto. Ela saiu com os olhos baixos. Levantou-os para fita-lo:
- Como você pôde?
- Não sei. Aconteceu.
- Como assim “aconteceu”?
- Não sei. Eu estava olhando o jogo da seleção e de repente já estava acontecendo.
- Não. Eu não entendo. Como esse tipo de coisa pode simplesmente acontecer?
- Poxa, você me conhece. Eu sou impulsivo. Há algum tempo já estava rolando uma vontade. Mas não foi nada programado.
- O quê? Há algum tempo? E todo aquele papo de sinceridade?
- Eu sei, mas ás vezes é difícil. Fica fácil quando se fala, não quando se vive.
- Como assim? Foi você quem sempre procurou isto para nossa relação. Diálogo. Você sempre implicou para que tivéssemos diálogo. Que dividíssemos um com o outro tudo. E agora eu chego no teu quarto e dou de cara com isso? Você não foi nem capaz de esconder, inventar alguma coisa?
- Justamente. Queria ser sincero. Não queria enganar você. Eu descobri que você é minha razão. Estou muito arrependido.
- Arrependido? Arrependido? Como assim? Como se arrepende destas coisas? Um assassino pode se arrepender?
- Mas é diferente.
- Como diferente? Se trata de confiança e confiança é confiança em qualquer lugar do mundo. Nada que fazemos juntos é por obrigação. Sempre fazemos por que queremos. Mas no momento em que você se compromete, tem que haver seriedade.
- Eu sei, mas...
- Não, não sabe. Se soubesse não teria feito.
- Você tem toda razão, mas eu quero mesmo mostrar que me arrependo muito, que jamais gostaria que isto estivesse acontecendo. Mas aconteceu.
- Aconteceu? Aconteceu? Você fala como se fosse deixar o leite ferver. Isto acontece. Mas o que você não acontece. Isto se planeja. E o planejamento é o maior cúmplice do crime.
- Você precisa entender que...
- Entender? Você ainda acha que eu tenho que entender? Eu até entenderia se não tivéssemos conversado tanto sobre este tema. E ainda mais se não fosse a partir de tuas ansiedades que estas conversas surgiram. E você se mostrou comprometido. E eu acreditei. E agora isso?
- Por favor, me perdoa. Eu não sei o que dizer, mas se você quiser dar o troco na mesma moeda eu vou entender. Eu faço qualquer coisa...
- O que? Fazer o mesmo que você? Você acha que eu tenho cara de que, hein?! Eu estou comprometida e não vou me corromper por este tipo de coisa.
- Mas eu não sei o que fazer agora!
- Como não sabe? Isto é, acima de tudo, melhor pra você. Nós dois sabemos disto. Sabemos do seu passado e do que você quer para seu futuro. São quatro anos, não quatro meses. Já sabemos o que é melhor um para o outro.
- Mas acontece que as coisas estão confusas demais. Não era pra ter ido tão longe. Era só uma vontade.
- Mas a vontade depende da ação para se concretizar. E a ação é consciente. Eu não entendo. Este discurso sempre foi seu. De que se guardamos para dentro as coisas que nos magoam, qualquer fagulha transforma-se em incêndio. A gente adoece de nome feio recolhido, lembra?
- Lembro, mas...
- Mas, nada. Eu quero que você entenda que quando te dou minha palavra, eu honro com ela. E se eu mudar de atitude agora, você não vai ter certeza disto. É preciso tomar uma atitude.
- Não, espere. Não precisamos ser tão incisivos.
- Precisamos, sim. Não podemos ficar levando nossos erros como sujeira sob o tapete. É precisar encarar e aceitar. Este discurso literário de revolução, não vende nem livros mais. É preciso agir. Munir as mãos de coragem e os olhos de perseverança. A semente faz a árvore. Mas é a perseverança da raiz é que faz a vida. Assim como é o voto que faz a eleição.
- Do que você está falando?
- Deixa pra lá, me empolguei.
- Então me abraça.
- Me empolguei, mas não esqueci. O que está feito está feito.
- Isso não pode terminar assim.
- A decisão está com você. Mas é preciso ter certeza do que será decidido. Você sabe o que é melhor pra você.
- Você é o melhor pra mim.
- Então mude. Prometa que não vai mais quebrar a dieta.
- Eu prometo! Eu prometo! Eu...hã?!
- Poxa! Doce de leite com pão. E de noite? Assim tu não vai perder esta barriga nunca.
- O que? O...doce de leite...pão...a dieta...a dieta! A dieta!
- É, a dieta! E daí? Vai mudar ou não? Posso passar a confiar cegamente em ti.
- Pode, amor, pode! Você pode confiar cegamente em mim para sempre. E para o todo do sempre. E sempre do sempre do todo. Eu nunca mais vou quebrar esta dieta. Nunca mais! Nunca mais! Agora me abraça e me beija!
- Ai, amor. Só você mesmo.
- Eu sei. Mas vou mudar. Já mudei. Tua toalha está aqui. Vai direto tomar um banho que eu vou arrumar o quarto e preparar uma sopinha light pra gente. Vou até trocar a roupa de cama. Colocar uma limpinha e cheirosa.
- Ai, amor. Eu te amo.
- Eu também te amo.
Trocou a roupa de cama, ascendeu incenso no quarto e preparou uma sopinha de legumes. Sem sal e gordura. Tiveram uma linda noite de amor e ele dormiu com um breve sorriso no rosto. Do dia seguinte em diante, manteve suas musas apenas em suas poesias.
Hoje está magrinho e sem barriga. E nunca mais esqueceu da dieta. Quando vão ao mercado e passam por uma prateleira onde tem doce de leite, dá um sorrisinho seguido de um suspiro e um beijo na boca de sua amada e sai com um belo pote de manteiga light. Porém, ainda mantém escondido dentro das caixas de material para acampamento um pote de doce de leite. Nunca se sabe.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

A janela de Amanda

A noite chora uma chuva fina e fria.
Amanda pára ante a janela e fuma sua liberdade. Apaga todas as luzes e deixa que a penumbra da rua de formas ao quarto. Seminua, disfarça o calor respirando profundamente e bebendo contínuos goles de água. Ouve música clássica. Uma música que interage com o som dos pingos que pingam lá fora. Não há sono, mas também não há insônia. Apenas uma vontade de pensar. Em nada, na vida, nos amores que a vida trás e leva assim como faz a terra com a chuva que cai. Nas possibilidades de felicidades, que como poetizava Cazuza, são egoístas.
Mas há um dilema que assola mais ainda a noite de Amanda. E é talvez este dilema que venha transformando sua rotina em uma constante insônia sonolenta. As horas da manhã até as horas da noite arrastam-se em melancolia profunda, produzindo um efeito nostálgico e desesperador. Tem sido assim por quase um ano, mas neste ultimo mês tem sido pior. Já não há mais animo sequer para deixar de sentir animo. Marasmo. Indiferença. Inércia. Energumismo.
Decidira que mudar de vida era a melhor decisão. E aposta agora todas suas fichas nesta verdade. Mas decidir sobre um futuro tão poético é no mínimo traumático. Quantas possibilidades poderiam surgir a partir daquele 26 de dezembro próximo, data escolhida para a partida? Quantos sonhos podem realizar-se? E quantos sequer serão mencionados? Por a vida à prova. Apostar no que se pode querer sobre alguma coisa. Ou passar a vida como uma menina doente que olha pela janela e vê as outras crianças brincando de ser feliz, enquanto ela está decepcionada demais para tentar acreditar em tal ação lúdica. Viver uma ideologia é viver para morrer. E compreender que não há vida sem morte. Assim como não há morte sem vida. De que a vida só vale de fato se for vivida. Por que tanto já se fez e se falou, há tantas outras verdades que pairam válidas e dignas de se valerem por aí, que nada de fato pode ser explicado. A pessoa tem que acreditar naquilo que julgue ser mais crédulo para si, somente. Por que assim, todo o seu meio irá acreditar também em suas veracidades. E uma comunidade de indivíduos pode existir. E a felicidade deixa de ser meta e passa a ser conseqüência. Tudo isso passa pela cabeça de Amanda enquanto ela esta lúcida. E mesmo quando não tanto. Sonhar é realizar pra fora. Mas não somente este medo ocorre. Não é somente esta angustia em partir que tanto repassa em Amanda. Acontece que a vida se repete á sua vista. Não é a primeira vez que sua ideologia mais intima lhe põe a prova. Acima de tudo amar. Como não amar? Mesmo almejando a partida, conheceu de novo o amor. Ironicamente na viajem que a levou a sonhar tão real. Agora ama perdidamente. Como á 4 anos atrás, quando amando mais do que podia, teve de escolher entre a liberdade poética e a realidade próspera da felicidade. Acreditou que escolher as letras em forma de atitudes dos poetas e deixar-se levar pelo sabor inebriante do livre-arbítrio acalmaria sua alma. Conheceu o mundo, as depressões, as euforias, as mentiras e o sexo da melhor parte da emoção. E conheceu tanto e foi tão a fundo em cada segundo, que se pôs a pensar demais e agora parar ante a janela, a se perguntar: Se mais uma vez lhe é posto a escolha de uma vida, seria prudente mais uma vez apostar numa liberdade que pode, em algum tempo, trazê-la de novo a esta janela?

sábado, 14 de junho de 2008

Um copinho de martelinho e uma dose de pregos


Ele estava sentado na última, ou na primeira, mesa antes das portas de saída, ou entrada, da livraria café. Ou do café livraria. Bebia de um só gole o que restava da última dose de Wuisky das quatro que já bebera até então.

Bragança está parado na calçada olhando distante para a rua cinza e apressada da cidade, depois de ter aberto a porta do edifício onde morava, ter descido as escadas, ter aberto a porta de seu apartamento no terceiro andar e ter posto o casaco sobre os ombros. Antes ainda, havia calçado os calçados nos pés, posto as calças nas pernas, a camiseta sobre o peito, o pulôver sobre os pêlos e o chapéu sobre a cabeça. Mas agora estava observando distante a rua cinza e apressada da cidade. Pensava nos caminhos que se apresentavam para que ele se pusesse a seguir. Sentia que aquele seria um passo decisivo, além de definitivo. Relembrava cada passo dado até ali, cada dia vivido até ali, cada amanhã esperado até ali. Não tinha como esconder o breve sorriso que lhe açoitava o canto da boca. Sempre fora um homem de muita esperança. Acreditava que um dia tudo iria dar certo, mesmo que a sucessão dos fatos fosse cruelmente real. E a realidade não sabe mentir. Mas ainda assim tinha a consciência de que nunca é tarde. Por que o tempo só se conta, de fato, para os relógios. E assim como brilha o sol de dia, brilha a lua à noite. Mesmo que sob um brilho emprestado. Para ele, aquela felicidade até então também era emprestada. Por isso se decidira. Ou ainda não. Foram tantos amores. Dizia para si mesmo: sim, eu a perdi. Para sempre. Eu quis deixá-la solta e ela se soltou. Por isso tanto escrevia. Tantas vezes quis recomeçar. Sempre que a vida lhe apresentava um caminho mais longínquo para trilhar ele logo fazia as malas e já sonhava em recomeçar. "Ir, pra depois voltar!" era assim que dizia a cada um que lhe perguntasse. Mas sempre voltava antes. E fazia tantos planos: parar com tudo, nascer de novo, trabalho, casa, família, filhos. Porém, sempre acordava do lado esquerdo da cama, de costas para a janela que amanhecia, profundamente solitário e desmotivado. Nada mais lhe impulsionava para fora da cama. Mas desta vez realizou que partiria mesmo que fosse somente até o outro lado da rua. Por isso olhava com calma para a rua cinza e distante. De repente o lábio ainda expelido pelo sorriso de canto de boca umedeceu com uma lagrima que se desprendeu. Baixou os olhos e se sentou. A rua continuava ali, apressada, cinza e distante. E ele ficou ali. E anoiteceu e fez frio. E ele ali. E amanheceu e choveu e continuou frio e ele ainda ali. E depois fez calor, frio, sol chuva e assim foram muitos dias e noites: anoitecendo, amanhecendo, fazendo frio e calor. De tanto tempo que se passou, Bragança virou estátua. Uma estátua sentada com um breve sorriso e uma lagrima de bronze. Vez por outra algum passarinho senta sobre seus ombros e canta uma linda melodia ao amanhecer. E tem também um cachorro que em algumas noites de lua cheia senta ao seu lado e uiva numa exaltação à noite. Ainda tem quem jogue algumas moedas, acostumados as estatuas pedintes de cada dia. Bragança não escolheu um caminho sensato, seguindo para direita ou esquerda. Escolheu sentar-se e tornar-se estátua, eternizando para seus olhos ainda vivos a poesia Quintanares de viver um dia após o outro. Por que assim, a vida não cansa.

Ele pediu mais uma dose de Wuisky e com os dedos naufragados meio copo, deixou-se levar pela embriagues...

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Cafés e centavos

Os amigos estão no bar bebendo café:
- Mesmo que quiséssemos não daria tempo. As condições não são de clima bom.
- Assim mesmo valeria a pena. Toda a vista que se pode ter da parte mais alta em relação ao chão é interessante. Não vale é a esperança de morrer procurando moedas de 10 centavos.
- Não sei. Mas de que importa. Tenho 1 real e cinqüenta centavos. Tomamos mais um?
- Por que não? Tenho ainda 2 reais e trinta centavos.
Chega outro amigo, sendo recebido pelo primeiro.
- Mas olha só, quem diria. Quem é vivo sempre aparece.
- Nem sempre. Mas o que vale é a intenção. Como estamos?
- Querendo mais um café. Aceitas?
- Por que não? Tenho 3 reais e vinte centavos.
- Por favor, 3 cafés de 1 real cada.
- Discutindo sobre?
- As relações de amor e ódio.
- Mesmo que não se ame a finco, deve-se amar.
- Como se mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão?
- Ou como deixar-se pendurar por um fio de tricô as bordas de um precipício de lã.
- Sei. Mas depende. Antes a plenitude infinita da imaginação do que o comodismo da vista finita.
- Pode ser. Mas então, como andas? Há quanto tempo não nos vemos?
- Acho que desde a última vez.
- Se não me falha a memória.
- Não. Tenho certeza.
- Tenho meio pacotinho de açúcar. Alguém quer?
- Sim, obrigado.
- Mas faz tempo já.
- Já. E da última vez foi tão breve.
- Sim. Antes da última só na penúltima vez que nos vimos é que conversamos mais.
- Creio que sim. Foram 4 cafés.
- Isso. Lembro-me de, á época, ter comigo cinco reais.
- Esperai, acho que da penúltima vez eu também estava. Lembro-me que tinha 2 reais e cinqüenta e que comi um pastel de frango junto ao café.
- Sim. E paguei-lhe um café.
- O outro eu paguei.
- Pois veja, o tempo.
- Hum? Não vi. Estava de costas. Passou?
- Sim.
- Por isso prefiro a cadeira com a foto de Mario. Estou sempre á frente para o tempo.
- Posso trocar de lugar contigo. Queres?
- Puxa, se não te incomodas.
- Claro que não.
- Troco também?
- Sim. Daí trocamos todos.
- Outro café?
- Sim.
- Sim.
- Obrigado por trocar de lugar. Gosto de teu desapego aos valores.
- Sim, eu sou assim mesmo.
- Egocêntrico.
- Como?
- Se quiseres. Vou pedir só o café. Tenho mais 2 reais e vinte centavos e vai me sobrar apenas 1 real e vinte centavos.
- Alguém vai querer pedir algo para comer também?
- Não.
- Não.
- 3 cafés de 1 real cada, por favor.
- E como foi a viajem?
- Longa. Mas o suficiente para estar onde gostaria de estar.
- Assim são boas as viagens. Quando se vai para onde se gostaria de ir.
- Meio saquinho de açúcar?
- Tenho ainda o de antes.
- Eu aceito.
- Mas para onde se quer ir?
- Para o oposto de onde não se quer estar.
- Faz sentido.
- Por que? Já chegamos aos Sete de Setembro?
- Não.
- É verdade. Não faz sentido.
- Agora que aqui estou o tempo não passa.
- Sobrou um saquinho de meio açúcar?
- Não. Com a sobra de antes agora deu completo.
- Preferia este mais doce. É melhor sentir o doce da ilusão que o amargo da realidade.
- Há gotas de aspartame sobre o frasco na mesa.
- Não. Adoçante não me convence. É como beijar de olhos abertos.
- Mas nenhuma diferença faz para o cego.
- Ou para o morto.
- Mas este não aparece.
- A menos que se abra a tampa do caixão.
- Irá me faltar cinqüenta centavos para pagar este último café.
- Na verdade 1 real e cinqüenta centavos. Tens que pagar o primeiro.
- O primeiro também deve ser pago?
- Sim.
- Mas não me vistes tomando-o. Como podes me cobrar?
- Não o estou cobrando. Mesmo por que não rastejo e não sou peçonhento.
- Algumas cobras não são peçonhentas.
- Achas que sou uma cobra?
- Mas estas me cobrando.
- Não. Estou te lembrando.
- Então desculpe-me. Agora vejo...
- O tempo?
- Não. Desta cadeira eu também veria.
- Não. Agora vejo que estás correto.
- Sim. Como todos nós: com ele sentado sobre a cadeira.
- Devemos levantar?
- Não é necessário. Acredito que não há problemas nisso.
- Verdade. Afinal para que servem as cadeiras.
- Para acomodar os retos.
- E os tortos?
- Nas torneiras.
- Mas o fato é que agora vão me faltar 1 real e cinqüenta centavos.
- Posso ajuda-lo dando-lhe vinte centavos.
- E eu trinta centavos.
- Ainda me faltaria 1 real.
- Tu tens cinqüenta centavos para me emprestar?
- Por que? Também não tens dinheiro?
- Eu tenho dinheiro. É para emprestar á ele os cinqüenta centavos.
- Sim. Empresto-lhe. Queres agora?
- Por favor. Obrigado. Pago-lhe assim que te entregar cinqüenta centavos.
- Não há pressa.
- Aqui está cinqüenta centavos emprestado. Ajuda?
- Claro. Muito obrigado.
- Amigos são para estas coisas.
- E para outras também.
- Mas falta ainda cinqüenta centavos.
- Antes cinqüenta centavos que 1 real. Minha parte eu fiz.
- E ficou bonita.
- Obrigado.
- Mas ainda faltam cinqüenta centavos.
- Ei, espere. Posso emprestar-lhe cinqüenta centavos.
- Você faria isto?
- Isto o que?
- Emprestar-me cinqüenta centavos.
- Ora, mas é...
- 18h15.
- Hein?!
- A hora: 18h15. 16 agora.
- Ah, sim. Obrigado.
- E meu caso?
- Não sou a favor de namoros com mulheres mais velhas.
- Mas é preciso considerar que ela é de um lindo porte.
- Mas não tão lindo quanto a sua parte que você fez.
- Obrigado.
- Vais querer os cinqüenta centavos emprestados?
- Se não te incomodares.
- De maneira alguma.
- Amigos são para estas coisas.
- E para outras também.
- Se emprestei a ele cinqüenta centavos, posso também lhe emprestar cinqüenta centavos.
- Antes um amigo de cinqüenta centavos que um inimigo de um real e cinqüenta centavos.
- E por cinqüenta centavos mantemos quente esta conversa e continuamos ainda sentados.
- Não tinha pensado nisso.
- Não sei como agradecer.
- Diga obrigado.
- Não. Prefiro dizer por vontade própria.
- Antes uma vontade própria vazia que uma obrigação cheia de nada.
- Com certeza.
- Todos acabaram?
- Sim.
- Sim.
- Sim.
- Pois então digo Adeus e vou saindo.
- O que vai dizer á Ele?
- O de sempre. Queres que mande algum recado?
- Diga que ainda pedirei as coisas em nome do amor Dele.
- E você?
- Diga que pagarei minhas dividas se Ele quiser.
- Direi. Aqui estão meus 2 reais referentes a 2 cafés de 1 real.
- Até mais.
- Até mais.
- Até mais.
- Seguiremos aqui sentados?
- Não sei. Acho que aqui sentados não teremos como seguir.
- Então tomemos outro rumo?
- Não sei. Acabaram meus centavos.
- Será que aqui aceitam cédulas?
- Por certo.
- Aceitas, então, outro café?
- Por que não?
- Por favor, mais dois cafés de 1 real cada.
- Mas ainda acho que vale a pena manter a esperança.
- Pode ser. Antes manter a esperança faxinando a casa do que a desilusão cobrando pensão...
FIM

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Para não chorar o leite derramado e para convida-lo para um calice de vinho


Sabe aquele sensação de passar o jogo inteiro sentado, sem gritos, apenas vendo a partida rolar, sem manifestações ou grandes gritos de guerra e de repente levantar e bradar ao estádio inteiro justo quando seu time faz gol contra? Pois é...
Se é dificil ter uma opnião idológica e pessoal sobre as coisas, mais dificil ainda é saber a hora certa para manifesta-la...
E vamos enriquecer o dono do boteco!

segunda-feira, 9 de junho de 2008

a visão dos fatos é dose!

Em epócas de processos de novas criaçãos e do "vamos lá! temos que expressar toda nossa angústia em arte de verdade", ficamos meio idiotas quando preferimos o comodismo do 'reclamo, mas não levanto' enquanto ELES Filipinam, Martinizam, Vasconcelhizam e Rochanizam com nossas ideologias de crianças da pré-escola lutando pelo direto de usar o bico depois do lanchinho. Enquanto nos reunimos em mesas de botecos e inventamos uma intelectualidade de beira de abismo, as coisas vão acontecendo e a gente enriquecendo o dono do boteco que não lava copos porque sabe que a rotina é uma MERDA. E quando se tenta algo em prol de uma calça, VOCÊ responde com uma tirinha de HD, muito ilustrativa por sinal, falatando apenas o ano correto.
Muito bonitinha a tirinha.
Mas muito sem graça seu humor...