terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Bossa, fossa, nossa bosta.

Amanda saiu do banho e se permitiu ficar nua. Colocou o cinceiro ao alcance da mão direita, repousou sobre ele o cigarro acesso e do copo vazio fez cheio com a cerveja que inebria. Olha pela janela. Diziam que choveria torrencialmente, mas o que se viu foi uma chuva esparssa, sem muitos pingos ou motivos para molhar. A cidade, como de costume, pintou-se de um amarelo urbano caracteristico das noites de chuva. Entre uma partida e outra do trem, perdia-se entre os pingos que pingavam sobre o parapeito da janela. Alguma coisa faltava. Ou ainda falta. Mas Amanda não sabe o que é. Traga profundo, bebe voluptuosamente, observa distante, descreve mas não diz nada. Alguma coisa falta. De repente sentiu saudade. Da brisa que inundou seu quarto e fez balançar a cortina, catou uma ponta de saudade que pendia da nostalgia "bucólica" daquela noite e, como um pequeno principe, agarrou-se no rabo deste cometa e deixou-se sentir saudade. Sentia saudade dos bons tempos em que podia sofrer em paz; de quando a vida passava mansa pela tarde que se desfazia entre um acorde musical e outro; do amor que abundantemente sentia; das impulsividades maravilhosas que causavam um arrempendimento poético e necessário. Tomou mas um gole, deu outra tragada, observou ainda mais distante. Como podem as coisas caminharem com tamanha velocidade? Quando menos se percebe, já estamos num caminho diferente daquele primordialmente preferido e o retorno já ficou pra trás a muito tempo. De repente, não mais que de repente, as coisas já são. Já não temos mais aquela velha promessa de esperança; já não são mais de ressaca os olhos da amada; já não é mais o amor eterno enquanto dure; já não se fazem mais poesias de solidão e a solidão já não traz mais a poesia. De repente, tudo o que poderia ser torna-se feito e tudo o que está feito não é mais como poderia ser. Já não sorrimos mais com tantos dentes; já não brilhamos com tantos olhos; já não abraçamos mais com tantos braços e mesmo a manhã já não é mais tão única. De repente, acordar pela manhã é corriqueiro e enfadonho. De repente a amizade já não é mais como o sol do meio dia, que aquece e ilumina. E de repente chega o entardecer e o dia acaba ao anoitecer. Mas amanhã começa de novo, no mesmo horario, com os mesmos compromissos, com as mesmas decepções, com as mesmas desventuras de um dia corriqueiro e rotineiro. E de repente... nada mais. O que era plano é agora lembrança.
Amanda pega seu bloquinho e anota: preciso viajar!
Traga o último gole, bebe seu último "suspirar pra dentro" e se atira da cauda do cometa ante o chão cru e aspero do seu sono.

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