segunda-feira, 21 de abril de 2008

Cuiabá - parte III


Da despedida com Seu Ari, entrei no carro com Alexandro, mecânico de motores a Diesel. Durante os 20 km que percorremos de volta ao carro empenhado á beira da estrada, contou-me sobre a economia da cidade. Descreveu-me detalhadamente a forma de distribuição de empregos, cargos, preços, motivos e propinas que movimentavam a plantação de soja, milho, algodão e venda de automóveis em Rondonópolis. Contou-me sobre como o algodão merece tratamento de maquinas e não de pessoas para garantir sua pureza e como as associações estavam divididas em quem compra o algodão para trata-lo, quem compra para fazer a linha e quem compra para fazer o tecido. E de como a cidade abriu áreas de emprego para o restante das famílias dos peões que vinham para trabalhar nas fazendas. Lojas de tecido e costura estão em expansão. Contou-me como o mercado de camionetas estava banalizando, chegando ao ponto de qualquer peão – não minimizando sua importância dentro do processo econômico do país – ter uma Hilux, camionete da Chevrolet, que custa em torno, 70 mil reais. Foram os financiamentos a perder de vista que deixaram muitos cegos. Disse-me como agora as fazendas investem nos seus peões, oferecendo-lhes, inclusive, salas de ginástica, alimentação balanceada, piscinas e acompanhamento psicológico, tudo para que a fazenda alcance o ISO e possa transferir este investimento para o preço do grão. E de como o governador do estado de Goiás praticamente domina a compra dos grãos, para revendê-los a preços quadruplicados as grandes indústrias alimentícias, dando apoio e financiamentos para os agricultores. Contou-me ainda, sobre um plano que tem para comprar umas terras e arrenda-las, garantindo assim sua aposentadoria.
Resolvido o problema com o carro, desejou-nos sorte e partiu, levando boa quantia em dinheiro para justificar seu empenho.
Dali 25 km para frente, paramos por mais 6 horas para concerto do alternador. Mas daí, cansado e enfadado, enrolei-me em seda e degustei a tão esperada cerveja Cristal, acompanhado de um estacionamento repleto de caminhões e seus caminhoneiros e algumas profissionais do sexo que apimentavam os sonhos de quem lhes abria as portas. Uma imagem de uma realidade que não se escreve, vive-se. O belo! Tênue membrana que separa a poesia da carne crua.
Mas o que fica de mais reflexivo, foi a dimensão que deu Ivan ao percurso da vida, demonstrando que há uma pressa de chegar-mos onde nem sabemos onde, aconselhando, assim como com o carro, calma e contemplação. É como não perceber a janela abeta enquanto o tempo não para. Seu Ari mostrou-se de uma sensibilidade que contradiz o conceito pejorativo do mecânico de tratores. Se cada um fizer sua parte, já está bom, é tão simples que talvez seja esta a justificativa para a falta de entendimento desta fórmula, uma vez que o ser humano prefere ocupar-se com o que há de mais complicado. Talvez para esconder de si mesmo o quão desprezível pode ser. A simplicidade é a grande resposta. Já para Alexandre, o mundo é onde a gente vive. Se tudo aquilo é tudo o que ele precisa para saber de sua filosofia, quem há de convencê-lo de que está errado? Se é que está.
Em Cuiabá, deitamos as quatro e levantamos as seis. Mas o cansaço já passou. Talvez se antes tivéssemos chego ao hotel, minhas lembranças provavelmente seriam apenas de seda e cevada. Perdeu-se, sim, tempo de viajem, de dinheiro, de saco e de marasmo. Mas ganhou-se o que há de mais satisfatório na vida: ela própria. Nada se perde, tudo se transforma.
E por não com suaves definições?

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