segunda-feira, 21 de abril de 2008

parte II




Ivan, fazendeiro bem sucedido, ao término de sua colheita de soja e no inicio dos preparativos de uma pescaria, mostrou-me que nada vale mais a pena do que preparar-se para morrer.
Do alto de sua F-250, deixou transparecer sua necessidade de cuidar e aninhar aos seus.
Carregava junto ao terço e a imagem de nossa senhora, a foto da esposa e dos três filhos, Gabriel, 19 anos, Jéssica, 17 e Felipe, 10 anos. Quando questionado por mim sobre o futuro de sua fazenda, foi incisivo e determinante: está com os dias contados. O filho mais velho já cursa a faculdade de Direito e planeja trabalho na Capital de Goiás. A menina já se prepara para o curso de Sociologia e o menor ainda brinca com seu vide-game, mas não prefere conhecer o processo de cultivo da terra. Ivan, e a esposa, já tem sua poupança de aposentadoria, iniciada quando do nascimento do terceiro e último filho. Ficará com a casa da chácara e, de lá, pretende ver a vida passar mansa como as águas do rio onde quer continuar pescando. A previsão desta realidade é de dez anos, quando o filho mais velho já estiver atuando na área de advocacia e os outros dois já estiverem na faculdade.
Percorreu comigo por mais de 10 km na busca por Diesel. Agradeci e desejei-lhe boa pescaria. Ele me olhou no olho e me chamou pelo nome: “Tiago, sigam devagar. É ainda muita estrada até o destino de vocês”. Acenei positivamente com a cabeça e o vi desaparecer entre a poeira da estrada.
Ainda sem solução para o nosso carro, ofereci-me para mais uma carona.
Desta vez quem parou foi Seu Ari. Ainda prontificou-se para dar uma olhada no problema, mas resolveu certificar-se apenas da carona, pois era mecânico de tratores, não de “Camionetas importadas”. Subimos no seu Ford 1975, já vencido pelo cansaço e pelas estradas que cruzou. Podia-se supor que era azul por algumas marcas de cor que resistiam em meio á ferrugem da cabine. Por dentro, pude reconhecer os pedais pela posição dos pés do motorista, porque no demais, eram apenas fios e pedaços de lata que se desprendiam do conjunto como numa ação desesperada por aposentadoria de seus serviços ou reforma geral. Ganharam a segunda reivindicação. No dia seguinte aquele, Seu Ari o levaria sua camionete para chapeação. Ele que ainda vestia a roupa de seu trabalho diário, misturando sua cor cuia da pele com o óleo proveniente dos motores revisados á pouco. E nestes trajes ainda passaria no mercado para pão e leite. Mas o mais interessante da carona foi ouvir sua história de vida. Nascido em Goiânia, aos 27 anos partira para a promissora cidade de Rondonópolis, cidade onde vive até hoje. Aprendeu com a fome a mexer em tratores e fez-se vencer onde podia. Quando adquiriu a camionete – a mesma ainda - tratou de ser seu próprio chefe. E assim o foi. Criou profissão, renda e 2 filhos. Uma moça que casou-se e agora mora em Salvador e um “menino” que mora na casa da Tia na cidade natal de seu pai, onde cursa engenharia mecânica. Seu Ari era simples tal qual apaixonar-se, mas em nenhum momento de nossa conversa de 20 km, reclamou de alguma coisa. O tempo todo mostrou-se satisfeito e, principalmente, responsável por sua situação. Quando chegamos até a oficina autorizada que ele indicou para o nosso socorro, quis lhe oferecer uma ajuda de custo pelo tempo despendido e pela quilometragem rodada pelo seu, quase recauchutado, Ford 1975. Olhou-me com certeza e disse: “Esqueça. Se cada um de nós fizer a sua parte, já está bom”. Apertou-me a mão com tamanha satisfação, que nem me importei de carregar, a partir de então, um pouco da cor de sua profissão.

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