segunda-feira, 30 de junho de 2008

Poesia

Os dois eram grandes amigos. Durante muito tempo trabalharam juntos e dividiram muitas horas de lazer. Um ensinou o outro a arte da poesia e da boemia. Varavam madrugadas desmembrando as duvidas de todo aquele que sofre por amor. E como sofriam. Mas eram felizes na sua infelicidade. E há muito não se viam. Mudaram de cidade e de emprego. Aos poucos os encontros diminuíram até se tornarem promessas de “temos que nos encontrar”. Mas naquela noite se encontrariam. E se encontraram.
Na casa de um deles, planejaram varar a madrugada nas longas e ainda duvidosas dores do amor. Quando a terceira garrafa de vinho se esvaziou, um disse ao outro.
- preciso te falar uma coisa.
- mais uma? Estamos falando sem parar a horas. Parecemos as amigas de minha namorada.
- é sobre isso mesmo.
- quê que é? Ta pegando uma das amigas dela?
- tua namorada ta te traindo, cara.
O que era álcool virou adrenalina.
- como assim? Que papo é esse?
- é serio, cara. Eu não sabia como, mas precisava te dizer.
- não, calma ai! Como assim traindo? Como tu sabe?
- porra, eu trabalho com ela. Vejo ela todo dia e sempre quando tu não está perto. Foi inevitável.
- putz, que caralho! Mas que desgraçada!
- vou abrir outra garrafa.
- como ela pôde? Cara, que absurdo! Será que nunca vai dar certo? Quanto mais se tenta menos se consegue. Parece um karma! Eu sabia, eu sabia. Sabia que tinha alguma coisa errada, mas sou tão possessivo que comecei a achar que era mesmo coisa da minha cabeça. Insegurança gratuita. Insegurança, o caralho! Mas que merda!
- toma aqui. Bebe um gole.
- não consigo acreditar. Essa merda toda de amor é uma grande merda, mesmo. Não sei por que não entendo esta formula muito simples: Amar é sofrer fisicamente. Ninguém martela um dedo por fadiga.
- relaxa, cara. Tu sempre te deu bem nos teus namoros. E sempre foi tu quem quis terminar.
- por isso mesmo. Estava sempre a procura do amor, sabendo que poderia ser uma longa busca. Mas sempre acreditei que valeria a pena. Por isso cada vez que a primavera teimava em abrir-se a qualquer estação, eu me deixava envolver. Trocava de amores como trocava de folhas a arvore. Mas não há encontro sem desencontro. Toda vez que me permitia ao novo, redimia-me a poesia da saudade. Via somente a perfeição na manhã que se findou e não esquentava mais o corpo no forte calor da tarde. E do amor que se tinha, era melancolia que brotava: uma saudade do passado que virou poesia de nunca mais. Cegava meus olhos e meus sentidos. Só voltava a enxergar quando voltava a amar. O novo. E assim num ciclo de dor e poesia.
- pois, então. Cansei de te ouvir falar que já estava afim de ficar solteiro. Que não agüentava mais esse namoro de dois anos consecutivos. Tu tava sem coragem. Ela só agilizou as coisas.
- tu ta falando como se fosse a venda de um carro. Cara, ela me traiu! Traição, entende? Isso é foda! E justamente agora que eu decidi não me deixar mais agir pela impulsividade, que tentaria construir um futuro. Chega desta historia de boemia, sofrimento, poesia. Já foi-se o tempo de parar na beira de um cálice e ficar lamuriando a existência. Enrolar-se em seda e adormecer numa realidade que não passa de fumaça. Será que essa solidão não vem justamente do medo de não tê-la? Assim como nos assusta tanto a felicidade pelo medo de perde-la? Eu sei como são as coisas deste lado. Já sei como é ficar sofrendo sem saber qual rumo seguir, se é que se quer de verdade um rumo. É tão mais fácil ficar só reclamando. Mas não quero mais isso. Estou afim de tentar. Eu já deixei um grande amor, e tu bem sabe, pra me arriscar deste lado da vida de boemia, sexo barato, drogas, impulsividade. Por que não posso agora largar tudo isso para viver a vida ao lado de um grande amor? Vou tentar. Já estava tentando. E foda-se o resto! Que caia o mundo. Não saio vivo desta grande merda mesmo. Apostei todas as minhas fichas nesta verdade e olha o meu premio: traição.
- nem sei o que te dizer.
- daí pergunto a Deus: escute amigo, se foi pra desfazer por que é que fez? Nem meu violão eu tenho mais. Meus amigos. Tantas noitadas eu neguei, mesmo querendo aceitar, para não me perder? Tantas vezes tu mesmo me ligou pra uma boa noitada de boemia e eu disse “não”? E agora isso. Que grande idiotice!
- cara...
- relaxa. Quer saber, sempre é tempo de aprender. O sofrimento sempre me ensinou. Por que agora seria diferente? A poesia ganha mais uma antologia. Vou mandar uma mensagem pra ela. Agora. Não vou nem ligar (digitando) pq? Não precisava ser dste jeito, mas como tu já esperava, adeus! E não adianta ligar de volta... Feito! Enviado.
- cara, é que...
- mais um cálice?
- claro, mas é que...
- vou por uma musica.
E pôs Jazz. O silencio entre eles foi natural. As lagrimas escorriam do sax, não dos olhos que olhavam incrédulos e incisivos o vazio da madrugada. Depois de um longo tempo, não resistiu.
- você sabe quem é o cara?
- hein?
- o cara. Você sabe quem é? Eu conheço?
- eu não quero mais vinho.
- eu conheço?
Os olhos se fitaram sérios e decisivos.
- sou eu.
O chão desapareceu. A mente escondeu-se sob uma névoa de impulsos. Os olhos não enxergavam, aqueciam.
- não sei como aconteceu. Foi o trabalho. A convivência. A gente foi conversando, achando pontos em comum e quando vimos já estávamos apaixonados um pelo outro. Por acreditar tanto no amor que tu sempre me ensinou, não tive como fugir. Ela me disse que conversaria contigo, mas como não fez, eu vim fazer. Olha, eu queria que tu soubesse...
- esquece.
O telefone toca. É ela. Ele atende apenas para dizer Adeus. Desliga o celular. Fita o outro na penumbra do pouco de noite que invade a sala.
- escuta. Nada foi planejado. Tu bem sabe que estas coisas acontecem. Eu sei que é foda...
- sabe?
Os olhos falaram mais no silêncio necessário.
Não se despediram. Não mais se falaram.
A chuva que começou a cair molhou tanto quem voltava pra casa como quem ficou na janela da sala vazia.
Hoje somente os versos relembram esta história.
Mas quem ainda lê poesia?

3 comentários:

Tchakaruga de Paranaguá disse...

cuida bem com quem tu trabalha... arranquei o ciso hoje, tu acredita?

Totonho Lisboa disse...

acredito...mas eu não trabalho...

Leandro Coimbra disse...

Eu tenho uma pergunta inevitável a fazer... mas prefiro evitar fazê-la!

Abraço (belo texto)