sexta-feira, 13 de junho de 2008

Cafés e centavos

Os amigos estão no bar bebendo café:
- Mesmo que quiséssemos não daria tempo. As condições não são de clima bom.
- Assim mesmo valeria a pena. Toda a vista que se pode ter da parte mais alta em relação ao chão é interessante. Não vale é a esperança de morrer procurando moedas de 10 centavos.
- Não sei. Mas de que importa. Tenho 1 real e cinqüenta centavos. Tomamos mais um?
- Por que não? Tenho ainda 2 reais e trinta centavos.
Chega outro amigo, sendo recebido pelo primeiro.
- Mas olha só, quem diria. Quem é vivo sempre aparece.
- Nem sempre. Mas o que vale é a intenção. Como estamos?
- Querendo mais um café. Aceitas?
- Por que não? Tenho 3 reais e vinte centavos.
- Por favor, 3 cafés de 1 real cada.
- Discutindo sobre?
- As relações de amor e ódio.
- Mesmo que não se ame a finco, deve-se amar.
- Como se mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão?
- Ou como deixar-se pendurar por um fio de tricô as bordas de um precipício de lã.
- Sei. Mas depende. Antes a plenitude infinita da imaginação do que o comodismo da vista finita.
- Pode ser. Mas então, como andas? Há quanto tempo não nos vemos?
- Acho que desde a última vez.
- Se não me falha a memória.
- Não. Tenho certeza.
- Tenho meio pacotinho de açúcar. Alguém quer?
- Sim, obrigado.
- Mas faz tempo já.
- Já. E da última vez foi tão breve.
- Sim. Antes da última só na penúltima vez que nos vimos é que conversamos mais.
- Creio que sim. Foram 4 cafés.
- Isso. Lembro-me de, á época, ter comigo cinco reais.
- Esperai, acho que da penúltima vez eu também estava. Lembro-me que tinha 2 reais e cinqüenta e que comi um pastel de frango junto ao café.
- Sim. E paguei-lhe um café.
- O outro eu paguei.
- Pois veja, o tempo.
- Hum? Não vi. Estava de costas. Passou?
- Sim.
- Por isso prefiro a cadeira com a foto de Mario. Estou sempre á frente para o tempo.
- Posso trocar de lugar contigo. Queres?
- Puxa, se não te incomodas.
- Claro que não.
- Troco também?
- Sim. Daí trocamos todos.
- Outro café?
- Sim.
- Sim.
- Obrigado por trocar de lugar. Gosto de teu desapego aos valores.
- Sim, eu sou assim mesmo.
- Egocêntrico.
- Como?
- Se quiseres. Vou pedir só o café. Tenho mais 2 reais e vinte centavos e vai me sobrar apenas 1 real e vinte centavos.
- Alguém vai querer pedir algo para comer também?
- Não.
- Não.
- 3 cafés de 1 real cada, por favor.
- E como foi a viajem?
- Longa. Mas o suficiente para estar onde gostaria de estar.
- Assim são boas as viagens. Quando se vai para onde se gostaria de ir.
- Meio saquinho de açúcar?
- Tenho ainda o de antes.
- Eu aceito.
- Mas para onde se quer ir?
- Para o oposto de onde não se quer estar.
- Faz sentido.
- Por que? Já chegamos aos Sete de Setembro?
- Não.
- É verdade. Não faz sentido.
- Agora que aqui estou o tempo não passa.
- Sobrou um saquinho de meio açúcar?
- Não. Com a sobra de antes agora deu completo.
- Preferia este mais doce. É melhor sentir o doce da ilusão que o amargo da realidade.
- Há gotas de aspartame sobre o frasco na mesa.
- Não. Adoçante não me convence. É como beijar de olhos abertos.
- Mas nenhuma diferença faz para o cego.
- Ou para o morto.
- Mas este não aparece.
- A menos que se abra a tampa do caixão.
- Irá me faltar cinqüenta centavos para pagar este último café.
- Na verdade 1 real e cinqüenta centavos. Tens que pagar o primeiro.
- O primeiro também deve ser pago?
- Sim.
- Mas não me vistes tomando-o. Como podes me cobrar?
- Não o estou cobrando. Mesmo por que não rastejo e não sou peçonhento.
- Algumas cobras não são peçonhentas.
- Achas que sou uma cobra?
- Mas estas me cobrando.
- Não. Estou te lembrando.
- Então desculpe-me. Agora vejo...
- O tempo?
- Não. Desta cadeira eu também veria.
- Não. Agora vejo que estás correto.
- Sim. Como todos nós: com ele sentado sobre a cadeira.
- Devemos levantar?
- Não é necessário. Acredito que não há problemas nisso.
- Verdade. Afinal para que servem as cadeiras.
- Para acomodar os retos.
- E os tortos?
- Nas torneiras.
- Mas o fato é que agora vão me faltar 1 real e cinqüenta centavos.
- Posso ajuda-lo dando-lhe vinte centavos.
- E eu trinta centavos.
- Ainda me faltaria 1 real.
- Tu tens cinqüenta centavos para me emprestar?
- Por que? Também não tens dinheiro?
- Eu tenho dinheiro. É para emprestar á ele os cinqüenta centavos.
- Sim. Empresto-lhe. Queres agora?
- Por favor. Obrigado. Pago-lhe assim que te entregar cinqüenta centavos.
- Não há pressa.
- Aqui está cinqüenta centavos emprestado. Ajuda?
- Claro. Muito obrigado.
- Amigos são para estas coisas.
- E para outras também.
- Mas falta ainda cinqüenta centavos.
- Antes cinqüenta centavos que 1 real. Minha parte eu fiz.
- E ficou bonita.
- Obrigado.
- Mas ainda faltam cinqüenta centavos.
- Ei, espere. Posso emprestar-lhe cinqüenta centavos.
- Você faria isto?
- Isto o que?
- Emprestar-me cinqüenta centavos.
- Ora, mas é...
- 18h15.
- Hein?!
- A hora: 18h15. 16 agora.
- Ah, sim. Obrigado.
- E meu caso?
- Não sou a favor de namoros com mulheres mais velhas.
- Mas é preciso considerar que ela é de um lindo porte.
- Mas não tão lindo quanto a sua parte que você fez.
- Obrigado.
- Vais querer os cinqüenta centavos emprestados?
- Se não te incomodares.
- De maneira alguma.
- Amigos são para estas coisas.
- E para outras também.
- Se emprestei a ele cinqüenta centavos, posso também lhe emprestar cinqüenta centavos.
- Antes um amigo de cinqüenta centavos que um inimigo de um real e cinqüenta centavos.
- E por cinqüenta centavos mantemos quente esta conversa e continuamos ainda sentados.
- Não tinha pensado nisso.
- Não sei como agradecer.
- Diga obrigado.
- Não. Prefiro dizer por vontade própria.
- Antes uma vontade própria vazia que uma obrigação cheia de nada.
- Com certeza.
- Todos acabaram?
- Sim.
- Sim.
- Sim.
- Pois então digo Adeus e vou saindo.
- O que vai dizer á Ele?
- O de sempre. Queres que mande algum recado?
- Diga que ainda pedirei as coisas em nome do amor Dele.
- E você?
- Diga que pagarei minhas dividas se Ele quiser.
- Direi. Aqui estão meus 2 reais referentes a 2 cafés de 1 real.
- Até mais.
- Até mais.
- Até mais.
- Seguiremos aqui sentados?
- Não sei. Acho que aqui sentados não teremos como seguir.
- Então tomemos outro rumo?
- Não sei. Acabaram meus centavos.
- Será que aqui aceitam cédulas?
- Por certo.
- Aceitas, então, outro café?
- Por que não?
- Por favor, mais dois cafés de 1 real cada.
- Mas ainda acho que vale a pena manter a esperança.
- Pode ser. Antes manter a esperança faxinando a casa do que a desilusão cobrando pensão...
FIM

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