segunda-feira, 23 de junho de 2008

Tentação

Quatro anos de namoro e ele se deixou vencer pelo pecado da traição. Há algum tempo mantinha uma relação de amor e poesia com uma antiga namorada. Por impulso, marcaram e se encontraram na casa dele. E naquela noite rolou. Acordou com remorso na manhã seguinte. Não devia ter feito aquilo. Depois de muito tempo de ciúmes, sua relação estava tranqüila. Estavam melhor do que nunca. Confiavam um no outro. Não podia esconder este deslize. Precisava ser honesto com ela e consigo próprio. Deixaria uma evidência, algo como uma marca de batom que ficara na fronha do travesseiro, para que quando sua namorada chegasse de noite a visse. Seria o mais correto. Seria a verdade. O mundo precisa de mais verdade.
Passou o dia em pânico. Não se animou a nada. Passou deitado. Comeu um pacote inteiro de pão fatiado com doce de leite. De noite o quarto ainda estava desarrumado. E a fronha com a marca de batom em evidência.
Quando ela chegou, ele a recebeu na porta do apartamento, deu-lhe um breve beijo e rumou para o banheiro enquanto ela entrava no quarto, com sempre fazia, para largar sua bolsa. Ele a esperava entre a porta do banheiro e a porta do quarto. Ela saiu com os olhos baixos. Levantou-os para fita-lo:
- Como você pôde?
- Não sei. Aconteceu.
- Como assim “aconteceu”?
- Não sei. Eu estava olhando o jogo da seleção e de repente já estava acontecendo.
- Não. Eu não entendo. Como esse tipo de coisa pode simplesmente acontecer?
- Poxa, você me conhece. Eu sou impulsivo. Há algum tempo já estava rolando uma vontade. Mas não foi nada programado.
- O quê? Há algum tempo? E todo aquele papo de sinceridade?
- Eu sei, mas ás vezes é difícil. Fica fácil quando se fala, não quando se vive.
- Como assim? Foi você quem sempre procurou isto para nossa relação. Diálogo. Você sempre implicou para que tivéssemos diálogo. Que dividíssemos um com o outro tudo. E agora eu chego no teu quarto e dou de cara com isso? Você não foi nem capaz de esconder, inventar alguma coisa?
- Justamente. Queria ser sincero. Não queria enganar você. Eu descobri que você é minha razão. Estou muito arrependido.
- Arrependido? Arrependido? Como assim? Como se arrepende destas coisas? Um assassino pode se arrepender?
- Mas é diferente.
- Como diferente? Se trata de confiança e confiança é confiança em qualquer lugar do mundo. Nada que fazemos juntos é por obrigação. Sempre fazemos por que queremos. Mas no momento em que você se compromete, tem que haver seriedade.
- Eu sei, mas...
- Não, não sabe. Se soubesse não teria feito.
- Você tem toda razão, mas eu quero mesmo mostrar que me arrependo muito, que jamais gostaria que isto estivesse acontecendo. Mas aconteceu.
- Aconteceu? Aconteceu? Você fala como se fosse deixar o leite ferver. Isto acontece. Mas o que você não acontece. Isto se planeja. E o planejamento é o maior cúmplice do crime.
- Você precisa entender que...
- Entender? Você ainda acha que eu tenho que entender? Eu até entenderia se não tivéssemos conversado tanto sobre este tema. E ainda mais se não fosse a partir de tuas ansiedades que estas conversas surgiram. E você se mostrou comprometido. E eu acreditei. E agora isso?
- Por favor, me perdoa. Eu não sei o que dizer, mas se você quiser dar o troco na mesma moeda eu vou entender. Eu faço qualquer coisa...
- O que? Fazer o mesmo que você? Você acha que eu tenho cara de que, hein?! Eu estou comprometida e não vou me corromper por este tipo de coisa.
- Mas eu não sei o que fazer agora!
- Como não sabe? Isto é, acima de tudo, melhor pra você. Nós dois sabemos disto. Sabemos do seu passado e do que você quer para seu futuro. São quatro anos, não quatro meses. Já sabemos o que é melhor um para o outro.
- Mas acontece que as coisas estão confusas demais. Não era pra ter ido tão longe. Era só uma vontade.
- Mas a vontade depende da ação para se concretizar. E a ação é consciente. Eu não entendo. Este discurso sempre foi seu. De que se guardamos para dentro as coisas que nos magoam, qualquer fagulha transforma-se em incêndio. A gente adoece de nome feio recolhido, lembra?
- Lembro, mas...
- Mas, nada. Eu quero que você entenda que quando te dou minha palavra, eu honro com ela. E se eu mudar de atitude agora, você não vai ter certeza disto. É preciso tomar uma atitude.
- Não, espere. Não precisamos ser tão incisivos.
- Precisamos, sim. Não podemos ficar levando nossos erros como sujeira sob o tapete. É precisar encarar e aceitar. Este discurso literário de revolução, não vende nem livros mais. É preciso agir. Munir as mãos de coragem e os olhos de perseverança. A semente faz a árvore. Mas é a perseverança da raiz é que faz a vida. Assim como é o voto que faz a eleição.
- Do que você está falando?
- Deixa pra lá, me empolguei.
- Então me abraça.
- Me empolguei, mas não esqueci. O que está feito está feito.
- Isso não pode terminar assim.
- A decisão está com você. Mas é preciso ter certeza do que será decidido. Você sabe o que é melhor pra você.
- Você é o melhor pra mim.
- Então mude. Prometa que não vai mais quebrar a dieta.
- Eu prometo! Eu prometo! Eu...hã?!
- Poxa! Doce de leite com pão. E de noite? Assim tu não vai perder esta barriga nunca.
- O que? O...doce de leite...pão...a dieta...a dieta! A dieta!
- É, a dieta! E daí? Vai mudar ou não? Posso passar a confiar cegamente em ti.
- Pode, amor, pode! Você pode confiar cegamente em mim para sempre. E para o todo do sempre. E sempre do sempre do todo. Eu nunca mais vou quebrar esta dieta. Nunca mais! Nunca mais! Agora me abraça e me beija!
- Ai, amor. Só você mesmo.
- Eu sei. Mas vou mudar. Já mudei. Tua toalha está aqui. Vai direto tomar um banho que eu vou arrumar o quarto e preparar uma sopinha light pra gente. Vou até trocar a roupa de cama. Colocar uma limpinha e cheirosa.
- Ai, amor. Eu te amo.
- Eu também te amo.
Trocou a roupa de cama, ascendeu incenso no quarto e preparou uma sopinha de legumes. Sem sal e gordura. Tiveram uma linda noite de amor e ele dormiu com um breve sorriso no rosto. Do dia seguinte em diante, manteve suas musas apenas em suas poesias.
Hoje está magrinho e sem barriga. E nunca mais esqueceu da dieta. Quando vão ao mercado e passam por uma prateleira onde tem doce de leite, dá um sorrisinho seguido de um suspiro e um beijo na boca de sua amada e sai com um belo pote de manteiga light. Porém, ainda mantém escondido dentro das caixas de material para acampamento um pote de doce de leite. Nunca se sabe.