sábado, 14 de junho de 2008

Um copinho de martelinho e uma dose de pregos


Ele estava sentado na última, ou na primeira, mesa antes das portas de saída, ou entrada, da livraria café. Ou do café livraria. Bebia de um só gole o que restava da última dose de Wuisky das quatro que já bebera até então.

Bragança está parado na calçada olhando distante para a rua cinza e apressada da cidade, depois de ter aberto a porta do edifício onde morava, ter descido as escadas, ter aberto a porta de seu apartamento no terceiro andar e ter posto o casaco sobre os ombros. Antes ainda, havia calçado os calçados nos pés, posto as calças nas pernas, a camiseta sobre o peito, o pulôver sobre os pêlos e o chapéu sobre a cabeça. Mas agora estava observando distante a rua cinza e apressada da cidade. Pensava nos caminhos que se apresentavam para que ele se pusesse a seguir. Sentia que aquele seria um passo decisivo, além de definitivo. Relembrava cada passo dado até ali, cada dia vivido até ali, cada amanhã esperado até ali. Não tinha como esconder o breve sorriso que lhe açoitava o canto da boca. Sempre fora um homem de muita esperança. Acreditava que um dia tudo iria dar certo, mesmo que a sucessão dos fatos fosse cruelmente real. E a realidade não sabe mentir. Mas ainda assim tinha a consciência de que nunca é tarde. Por que o tempo só se conta, de fato, para os relógios. E assim como brilha o sol de dia, brilha a lua à noite. Mesmo que sob um brilho emprestado. Para ele, aquela felicidade até então também era emprestada. Por isso se decidira. Ou ainda não. Foram tantos amores. Dizia para si mesmo: sim, eu a perdi. Para sempre. Eu quis deixá-la solta e ela se soltou. Por isso tanto escrevia. Tantas vezes quis recomeçar. Sempre que a vida lhe apresentava um caminho mais longínquo para trilhar ele logo fazia as malas e já sonhava em recomeçar. "Ir, pra depois voltar!" era assim que dizia a cada um que lhe perguntasse. Mas sempre voltava antes. E fazia tantos planos: parar com tudo, nascer de novo, trabalho, casa, família, filhos. Porém, sempre acordava do lado esquerdo da cama, de costas para a janela que amanhecia, profundamente solitário e desmotivado. Nada mais lhe impulsionava para fora da cama. Mas desta vez realizou que partiria mesmo que fosse somente até o outro lado da rua. Por isso olhava com calma para a rua cinza e distante. De repente o lábio ainda expelido pelo sorriso de canto de boca umedeceu com uma lagrima que se desprendeu. Baixou os olhos e se sentou. A rua continuava ali, apressada, cinza e distante. E ele ficou ali. E anoiteceu e fez frio. E ele ali. E amanheceu e choveu e continuou frio e ele ainda ali. E depois fez calor, frio, sol chuva e assim foram muitos dias e noites: anoitecendo, amanhecendo, fazendo frio e calor. De tanto tempo que se passou, Bragança virou estátua. Uma estátua sentada com um breve sorriso e uma lagrima de bronze. Vez por outra algum passarinho senta sobre seus ombros e canta uma linda melodia ao amanhecer. E tem também um cachorro que em algumas noites de lua cheia senta ao seu lado e uiva numa exaltação à noite. Ainda tem quem jogue algumas moedas, acostumados as estatuas pedintes de cada dia. Bragança não escolheu um caminho sensato, seguindo para direita ou esquerda. Escolheu sentar-se e tornar-se estátua, eternizando para seus olhos ainda vivos a poesia Quintanares de viver um dia após o outro. Por que assim, a vida não cansa.

Ele pediu mais uma dose de Wuisky e com os dedos naufragados meio copo, deixou-se levar pela embriagues...

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