Ele estava sentado na última, ou na primeira, mesa antes das portas de saída, ou entrada, da livraria café. Ou do café livraria. Bebia de um só gole o que restava da última dose de Wuisky das quatro que já bebera até então.
Bragança está parado na calçada olhando distante para a rua cinza e apressada da cidade, depois de ter aberto a porta do edifício onde morava, ter descido as escadas, ter aberto a porta de seu apartamento no terceiro andar e ter posto o casaco sobre os ombros. Antes ainda, havia calçado os calçados nos pés, posto as calças nas pernas, a camiseta sobre o peito, o pulôver sobre os pêlos e o chapéu sobre a cabeça. Mas agora estava observando distante a rua cinza e apressada da cidade. Pensava nos caminhos que se apresentavam para que ele se pusesse a seguir. Sentia que aquele seria um passo decisivo, além de definitivo. Relembrava cada passo dado até ali, cada dia vivido até ali, cada amanhã esperado até ali. Não tinha como esconder o breve sorriso que lhe açoitava o canto da boca. Sempre fora um homem de muita esperança. Acreditava que um dia tudo iria dar certo, mesmo que a sucessão dos fatos fosse cruelmente real. E a realidade não sabe mentir. Mas ainda assim tinha a consciência de que nunca é tarde. Por que o tempo só se conta, de fato, para os relógios. E assim como brilha o sol de dia, brilha a lua à noite. Mesmo que sob um brilho emprestado. Para ele, aquela felicidade até então também era emprestada. Por isso se decidira. Ou ainda não. Foram tantos amores. Dizia para si mesmo: sim, eu a perdi. Para sempre. Eu quis deixá-la solta e ela se soltou. Por isso tanto escrevia. Tantas vezes quis recomeçar. Sempre que a vida lhe apresentava um caminho mais longínquo para trilhar ele logo fazia as malas e já sonhava em recomeçar. "Ir, pra depois voltar!" era assim que dizia a cada um que lhe perguntasse. Mas sempre voltava antes. E fazia tantos planos: parar com tudo, nascer de novo, trabalho, casa, família, filhos. Porém, sempre acordava do lado esquerdo da cama, de costas para a janela que amanhecia, profundamente solitário e desmotivado. Nada mais lhe impulsionava para fora da cama. Mas desta vez realizou que partiria mesmo que fosse somente até o outro lado da rua. Por isso olhava com calma para a rua cinza e distante. De repente o lábio ainda expelido pelo sorriso de canto de boca umedeceu com uma lagrima que se desprendeu. Baixou os olhos e se sentou. A rua continuava ali, apressada, cinza e distante. E ele ficou ali. E anoiteceu e fez frio. E ele ali. E amanheceu e choveu e continuou frio e ele ainda ali. E depois fez calor, frio, sol chuva e assim foram muitos dias e noites: anoitecendo, amanhecendo, fazendo frio e calor. De tanto tempo que se passou, Bragança virou estátua. Uma estátua sentada com um breve sorriso e uma lagrima de bronze. Vez por outra algum passarinho senta sobre seus ombros e canta uma linda melodia ao amanhecer. E tem também um cachorro que em algumas noites de lua cheia senta ao seu lado e uiva numa exaltação à noite. Ainda tem quem jogue algumas moedas, acostumados as estatuas pedintes de cada dia. Bragança não escolheu um caminho sensato, seguindo para direita ou esquerda. Escolheu sentar-se e tornar-se estátua, eternizando para seus olhos ainda vivos a poesia Quintanares de viver um dia após o outro. Por que assim, a vida não cansa.
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