segunda-feira, 16 de junho de 2008

A janela de Amanda

A noite chora uma chuva fina e fria.
Amanda pára ante a janela e fuma sua liberdade. Apaga todas as luzes e deixa que a penumbra da rua de formas ao quarto. Seminua, disfarça o calor respirando profundamente e bebendo contínuos goles de água. Ouve música clássica. Uma música que interage com o som dos pingos que pingam lá fora. Não há sono, mas também não há insônia. Apenas uma vontade de pensar. Em nada, na vida, nos amores que a vida trás e leva assim como faz a terra com a chuva que cai. Nas possibilidades de felicidades, que como poetizava Cazuza, são egoístas.
Mas há um dilema que assola mais ainda a noite de Amanda. E é talvez este dilema que venha transformando sua rotina em uma constante insônia sonolenta. As horas da manhã até as horas da noite arrastam-se em melancolia profunda, produzindo um efeito nostálgico e desesperador. Tem sido assim por quase um ano, mas neste ultimo mês tem sido pior. Já não há mais animo sequer para deixar de sentir animo. Marasmo. Indiferença. Inércia. Energumismo.
Decidira que mudar de vida era a melhor decisão. E aposta agora todas suas fichas nesta verdade. Mas decidir sobre um futuro tão poético é no mínimo traumático. Quantas possibilidades poderiam surgir a partir daquele 26 de dezembro próximo, data escolhida para a partida? Quantos sonhos podem realizar-se? E quantos sequer serão mencionados? Por a vida à prova. Apostar no que se pode querer sobre alguma coisa. Ou passar a vida como uma menina doente que olha pela janela e vê as outras crianças brincando de ser feliz, enquanto ela está decepcionada demais para tentar acreditar em tal ação lúdica. Viver uma ideologia é viver para morrer. E compreender que não há vida sem morte. Assim como não há morte sem vida. De que a vida só vale de fato se for vivida. Por que tanto já se fez e se falou, há tantas outras verdades que pairam válidas e dignas de se valerem por aí, que nada de fato pode ser explicado. A pessoa tem que acreditar naquilo que julgue ser mais crédulo para si, somente. Por que assim, todo o seu meio irá acreditar também em suas veracidades. E uma comunidade de indivíduos pode existir. E a felicidade deixa de ser meta e passa a ser conseqüência. Tudo isso passa pela cabeça de Amanda enquanto ela esta lúcida. E mesmo quando não tanto. Sonhar é realizar pra fora. Mas não somente este medo ocorre. Não é somente esta angustia em partir que tanto repassa em Amanda. Acontece que a vida se repete á sua vista. Não é a primeira vez que sua ideologia mais intima lhe põe a prova. Acima de tudo amar. Como não amar? Mesmo almejando a partida, conheceu de novo o amor. Ironicamente na viajem que a levou a sonhar tão real. Agora ama perdidamente. Como á 4 anos atrás, quando amando mais do que podia, teve de escolher entre a liberdade poética e a realidade próspera da felicidade. Acreditou que escolher as letras em forma de atitudes dos poetas e deixar-se levar pelo sabor inebriante do livre-arbítrio acalmaria sua alma. Conheceu o mundo, as depressões, as euforias, as mentiras e o sexo da melhor parte da emoção. E conheceu tanto e foi tão a fundo em cada segundo, que se pôs a pensar demais e agora parar ante a janela, a se perguntar: Se mais uma vez lhe é posto a escolha de uma vida, seria prudente mais uma vez apostar numa liberdade que pode, em algum tempo, trazê-la de novo a esta janela?

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