sábado, 28 de fevereiro de 2009

As joaninhas mortas de Amanda

Amanda teria muitas coisas boas pra contar. O computador, bom ouvinte, lhe espera para escutar da viajem que fez. Da liberdade que sentiu enquanto caminhava sobre os passos que levavam ao horizonte, que lhe davam autonomia, que lhe enchiam de autoconfiança, confiança esta que há tempos está em dúvida. Dos dias em que passou fora de casa, fora de si, fora do mundo, mas dentro da vida. De mãos dadas com a felicidade, não se deixava abalar por mais de um cigarro. Quando os olhos tocavam o chão, logo o peito se inflava elevando a visão para as estrelas. Da saudade que sentia (porque é impossível sentir-se feliz realmente sem o tempero da saudade que fica de alguém), revelou imagens, descreveu poesia, guardou em luz e sombra para a volta. Para partilhar do lado de quem á espera o que foi ser a liberdade.
Mas Amanda não sabe como descrever tanta coisa boa. Ainda está atônita. Ainda tenta compreender o porquê. Seus olhos se perdem nos fatos e se refletem tristes no vazio da tela do computador.
Levanta, vai até a janela, inspira a tarde e nega o sol. Fecha a janela. No quarto escuro, apenas o brilho melancólico destas linhas.
- Como pode?
Fica difícil arranjar uma explicação para os fatos. Fica difícil descrever sobre felicidade.
Se perguntada sobre a hora de florir, a flor indagaria “Hora”? Basear-se em ponteiros que se atiram racionalmente? Razão?
Amanda abandona as teclas e nos dedos apóia um pouco de cigarro. Caminha pelo quarto para disseminar a taquicardia desolante que assola seu coração.
Como puderam aqueles olhos, lindos olhos, não perceberem a verdade que as palavras traduziam? Como pode deixar-se evitar um amor tão puro e tão escasso de lógicas, como deve ser o mais puro amor? Titubeia atirar-se em lagrimas. Não quer afogar-se. Não quer perder o brilho desta interrogação que ilumina a parede manchada através do brilho insólito do computador.
Seu coração não quer deixar seu corpo descansar.
Ela não quer esconder a tristeza de si. Quer tê-la para si. Quer participar de cada dor, cada angustia, cada poesia que por ventura nasça deste amor que se partiu. Outra vez é por amor que sofre Amanda, esquecida de si mesma, convencida de que sua confiança é mera formalidade social.
- Como foi que as coisas não deram certo?
Quando foi que este derradeiro final começou a se anunciar, que Amanda não foi capaz de perceber e se precaver?
- Teu coração amedronta-se da face clara do amor, por que esta face cega e faz sentir o mundo pelo toque dos lábios, pelo sussurrar da poesia, pelo ritmo ofegante da respiração. E não pela racionalidade dos olhos, pelo equilíbrio dos termos, pelos conceitos vazios de uma sociedade cheia de mágoas. Por que você não me escutou? Por que você se deixou levar pelo lado cômodo da palavra felicidade?
“A felicidade é uma mentira. E a mentira é a salvação.”
Foi tudo o que conseguiu escrever quando sentou-se novamente frente ao computador.
Inevitavelmente uma lagrima lhe escorre o canto direito da face e lhe ofusca a vista. Em virtuosismo compara sua realidade á de um livro dos dias, de um livro das flores. Não é o tempo que regra os acontecimentos, é a intensidade. Não te peço a vida, peço-te apenas a vivencia. O amor urge. O sol é um só, mas quem sabe são duas manhãs?
Por um instante regressa em si e reencontra, perdido no mais intimo de sua lembrança, um sorriso ingênuo e claro, aurora bucal. E quando uma outra lagrima lhe escorre o canto esquerdo da face e encontra-se delicadamente com um sorriso posto de esperança, os olhos brilham e tornam nítida a visão da alma.
Amanda esta sorrindo compulsivamente.
O computador atem-se a imitar-lhe o brilho. O vento lá fora agita a janela fechada, como um sopro de primavera que quer abrir o botão da flor.
Amanda abre a janela, respira a tarde e aceita o sol.

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