segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Caminhos

Eles apenas corriam. Era tudo o que faziam: corriam. Lado á lado. Passada á passada. Juntos. Mesmo ritmo, mesma respiração, mesmo bailar dos braços de cima pra baixo e de baixo pra cima. Vez por outra conversavam. Trocavam duas ou três palavras, discutiam, apenas gemiam uma abreviação de afirmação ou divagavam por quilômetros sobre a distancia entre as estrelas, que é impar e par ou sobre a maneira como as nuvens flutuam leves nos dias de céu azul. Mas em geral andavam em silêncio. Em silêncio não, na baforada constante de suas respirações ofegantes. Olhos fixos no horizonte e correndo. Sempre. Em frente. Rumo ao horizonte, quase um Forrest Gump. Nada os impedia de correr. Quando era sede o que sentiam, procuravam nuvens de chuva e por entre elas corriam. Da chuva que enfim caía, bocas abertas, seus pingos molhados bebiam. E era matada a sede. Se era fome o que sentiam, procuravam nos campos os pomares e, correndo por entre eles, com as mãos rápidas colhiam laranjas, maçãs, uvas, cerejas, pitangas. E era matada a fome. As necessidades fisiológicas eram deixadas á rastro, colocando calção e cueca pro lado nos campos por onde corriam. E com a chuva, cuidavam também de sua higiene pessoal. Corriam, enfim, corriam. Se era sono o que sentiam, revezavam por turnos de dois terços de hora e meia e um carregava o outro. Um corria pelo outro. Mas não paravam, nunca. Era de costume entregar a noite nas mãos do crepúsculo. Ou ir estendendo sobre o fim de tarde o manto escuro da noite. Quando a barba crescia demais ou o cabelo já tapava a vista, corriam entre rochedos e das pedras pontiagudas, com fio de puro corte, faziam um no outro barba, cabelo e bigode. Se faltava proteção para os pés, percorriam mangues, banhados e lamaçais, enroscando-se em mato e barro, formando nos pés uma proteção que parecia sapato. Roupa era folha de bananeira, chapéu coco e cipó na cintura amarrado. Simplesmente corriam: o tempo todo, á todo o tempo. Cruzavam de continente em continente. E não percorriam os mesmos lugares. Havia sempre um novo caminho á ser percorrido. Uma simples curva para a esquerda e um novo caminho surgia. Neste novo caminho uma simples curva para a direita e do novo um novo caminho novo. Não contavam o tempo. Era o tempo que contava com eles. Viam surgir o sol, ele estender-se no azul, depois recomeçar para outro lugar enquanto viam surgir, então, a noite. Viam ela estender-se de mansinho, abrindo seu leque cravejado de brilhantes. Vez por outra um sorriso dourado riscava a escuridão com luz de fogo. E logo á noite ia se recolhendo trazendo pela calda o calor do novo, e velho, sol que, então, surgia. Ou enxugavam a alma na chuva que caía chorando por e com eles.
E foi correndo que num dia de sol radiante, onde bailavam borboletas sobre os campos de flores amarelas que os cercavam, que um olhou para o outro e perguntou:
- Por que estamos correndo?
O outro respondeu perguntando prontamente.
- Eu não sei. Tu sabe?
- Não!
Seus olhos arregalaram-se e os dois pararam de súbito, como há anos não tinham feito e que já nem sabiam mais se sabiam parar daquele jeito:
- Não sabe? – disse o primeiro atônito.
- Não! – respondeu o segundo nervoso.
- Carácas, que horas são?
- Que dia é hoje?
E sem demora, correram de volta.

Um comentário:

Leandro Coimbra disse...

final majestoso!
li meio assim, cansado de acompanhar os caras., mas o "correram de volta" foi majestoso, muito legal.

Já sabe né: em rio que tem crustáceo, biolólogo ganha dinheiro federal.